OPERAÇÕES ESPECIAIS TREINAM PARA CLIMAS FRIOS
Por Miguel Machado • 18 Mar , 2015 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintÀs primeiras horas da manhã, a mais de 1.900m de altitude, começamos a entrar pela “neve dentro” através de um apertado e discreto acesso escavado no gelo, sente-se a temperatura descer e, no meio dos equipamentos e armas, temos dificuldade em perceber quantos militares estão neste minúsculo abrigo invisível nas entranhas do manto branco que cobre o ponto mais alto de Portugal.
Um sargento, dois primeiros-cabos e um segundo-cabo de uma das equipas do SOTU (Special Operations Task Unit) “Charlie”(1), efectuaram este treino. Num empenhamento real – por exemplo uma acção de reconhecimento especial – podem actuar a partir dali, de noite ou de dia…enquanto houver neve! O espaço é mínimo, mas tem que acomodar os militares equipados com os volumosos fatos para temperaturas negativas, as mochilas com todo o equipamento individual – incluindo naturalmente vários itens específicos para o tipo de clima, sem os quais a morte é certa nestas condições extremas – rações de combate, armamento e munições. Os homens estão deitados e o mais que conseguem para se movimentar é gatinhar. Paciência e total ausência de qualquer resquício de claustrofobia são indispensáveis. Por outras palavras, nervos de aço!
Diz-nos o Tenente Daniel Silva, comandante do SOTU “Charlie”: «a construção de pontos de observação e abrigos em neve mantém um sistema de alerta ativo, permite o repouso e em situações de extremo desgaste aumenta a capacidade de sobrevivência na prossecução da missão atribuída. Para a manutenção da capacidade operacional, procuramos sempre o treino adaptado o mais possível à realidade, pois o seu emprego depende de inúmeros fatores que devem ser testados e levados ao limite. Desta forma, os militares de Operações Especiais são capazes de dar resposta, em qualquer momento, com um nível elevado de operacionalidade».
Áreas de actuação
As operações especiais do Exército Português devem estar prontas para cumprir missões de diferentes tipologias, sendo para isso os seus militares sujeitos a uma exigente e diversificada formação inicial no Curso de Operações Especiais(2), à qual se seguem, já depois de terem recebido a boina “verde-seco”, cursos especializados para desenvolver diferentes valências no Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE), em Lamego, como o curso Sniper ou o de Patrulhas de Reconhecimento de Longo Raio de Acção. Quadros e praças do CTOE frequentam também cursos em outras unidades do Exército, das Forças Armadas e mesmo no estrangeiro nas mais variadas áreas que vão do pára-quedismo e do mergulho à luta anti-terrorista, da sobrevivência no deserto ou na selva ao treino em montanha e climas frios. No preciso momento em que a reportagem do Operacional acompanhava esta acção de «treino para climas frios» na Serra da Estrela, um oficial da Força de Operações Especiais do Centro de Tropas de Operações Especiais da Brigada de Reacção Rápida do Exército, frequentava nas montanhas nevadas do Cáucaso o Basic Mountain Training Winter Course (3).
Equipas e Destacamentos de Operações Especiais, têm sido empenhados nos últimos anos em diferentes teatros de operações exteriores, como o Kosovo e o Afeganistão, participando também quadros da unidade a título individual em outras operações e em missões de cooperação técnico-militar nos países da CPLP.
Organização
O Centro de Tropas de Operações Especiais, sob o comando de um coronel, é uma das unidades que integram a Brigada de Reacção Rápida do Exército Português. Diz-nos o Tenente-Coronel Jaime Queijo, segundo comandante do CTOE, «…o comando e estado-maior da unidade, actua sobre uma área de Apoio, a companhia de comando e serviços, uma dedicada à Formação e tem uma componente Operacional, materializada na Força de Operações Especiais (FOpEsp), articulando-se esta em comando e estado-maior e 5 Special Operation Task Units: Alfa; Alfa 1; Bravo; Charlie; Delta. Estes articulam-se por sua vez em comando e pelotões de operações especiais. Para uma operação real usualmente é constituído um “Special Operation Task Group” (SOTG) quase e sempre modular, ou seja, de acordo com a missão concreta adaptamos a organização desta força com as valências que temos treinadas. Sendo certo que, em linhas muito gerais sem particularizar tudo, no “Delta” temos o apoio logístico e a estação radio-base, no “Charlie” o reconhecimento, no Bravo a acção directa e pelotão sniper e o Alfa é a unidade que temos em maior prontidão. Um SOTGroup ou uma SOTUnit modular pode integrar militares de todas estas origens. Neste momento por exemplo, em termos nacionais, a Força de Reacção Imediata (FRI) do Estado-Maior General das Forças Armadas, dispõe de um SOTG conjunto – FOpEsp do CTOE e Destacamento de Acções Especiais do Corpo de Fuzileiros da Marinha – que no corrente ano está sob comando de um oficial do CTOE».
Climas frios
As operações em climas frios começaram a ter relevância no então Centro de Instrução de Operações Especiais com a atribuição de um Destacamento de Operações Especiais do CIOE, a partir de 1997, à então designada Allied Mobile Force (Land), uma unidade multinacional do Comando da NATO na Europa. A AMF(L) operava em muitas geografias uma delas o Norte da Noruega, o que levou o Exército Português a adquirir para o CIOE material adequado a climas frios, muito frios mesmo! O emprego na AMF(L) estava previsto em documentação da época para locais com temperaturas entre os -40 graus e os +40!
Esta participação terminou porque esta força multinacional foi desactivada(4), mas a capacidade para operar nestes climas manteve-se no CTOE uma vez que novos empenhamentos operacionais com algumas exigências semelhantes foram surgindo para militares de operações especiais. Só para dar um exemplo, quando Portugal (em 2002) assumiu a responsabilidade de fornecer à União Europeia um “Combined Joint Special Operations Task Force Headquarter”, o que levou à criação (a partir de 2005), em Portugal, do Quartel-General de Operações Especiais (em Oeiras, extinto em Dezembro 2014), um dos seus muitos requisitos operacionais, incluía capacidade para operar (pessoas e equipamentos) em ambientes de -30º a +50º C.
O empenhamento da FOpEsp nos compromissos que sucessivos governos portugueses têm assumido na cena internacional, quer em operações reais de âmbito ONU, EU ou NATO, quer em exercícios multinacionais quer nas actuais NRF (NATO Response Force), recomenda, quando não obriga, que estas valências sejam mantidas em linha com o que estas forças praticam, caso contrário, não poderemos acompanhar algumas operações, deixamos de ser um parceiro credível e com real valor operacional.
Treino operacional
«No sentido de garantir esta capacidade, as FOpEsp incluem no seu aprontamento, aproveitando as condições propiciadas pela Serra da Estrela, o treino de técnicas de combate e de planeamento, execução de deslocamentos com recuso a equipamentos de neve, o desenvolvimento das capacidades de sobrevivência, do treino das capacidades de comunicação a longas distâncias com equipamentos de forma segura e técnicas de escalada e rappel em paredes geladas. Naturalmente que esta capacidade não possuindo uma aplicação iminente na realidade climática do País não deixa de ter aplicabilidade em situações de emergência. Por alguma razão a GNR criou uma unidade de socorro orientada para a Serra da Estrela» diz-nos o Tenente-Coronel Jaime Queijo.
Sempre que há neve na Serra da Estrela o CTOE aproveita e, coincidindo com um curso de operações especiais em curso, mais realismo se transmite à instrução respeitante às operações em climas frios. Nesta nossa deslocação à ponto mais alto de Portugal tivemos assim não só oportunidade de ver a equipa do SOTU “Charlie” a relembrar a execução algumas técnicas que só mesmo com neve se podem treinar – mesmo que não seja muita – como assistimos, a alguns momentos da instrução do Curso de Operações Especiais que está a decorrer, o qual inclui também militares de Angola e de Timor-Leste.
Com a equipa assistimos a actividades nos abrigos – os quais note-se também tinham sido usados pelo Curso – a diversos tipos de progressão na neve, tendo sido inviabilizado o uso de skis uma vez que a consistência da neve já não o permitia, a execução de pontos de ancoragem na neve, descida em rappel, escalada, e a prática de quedas em declive de um ou mais elementos da equipa, devidamente ligados por cabos, sendo suportados pelos restantes e pela sua própria acção com o equipamento disponivel.
Continua Daniel Silva: «as técnicas de deslocamento com esqui ou raquetes, as progressões e dispositivos táticos em neve, bem como a reacção a acções pelo fogo de forças opositoras, são entre muitos outros alguns aspectos minuciosamente treinados por estas forças. Nem sempre o terreno é facilitador quando falamos num ambiente tão específico, torna-se portanto importante a utilização de materiais específicos e de técnicas de emprego para ultrapassar dificuldades muitas vezes inesperadas e que podem comprometer a concretização da missão».
Não havendo um curso específico no CTOE para este tipo de operações, os conhecimentos nesta área vão sendo transmitidos e actualizados pelos militares que frequentam formações no estrangeiro, pelas actividades de “cross training” com outras forças de operações especiais no decurso de cooperações ou exercícios internacionais e da própria avaliação e experiência no decurso de exercícios. Assim se vão mantendo as Técnicas, Tácticas e Procedimentos, ao nível das exigências internacionais.
Os militares que vimos actuar, estavam comandados por um primeiro-sargento com 29 anos de idade e 10 de operações especiais, e incluía dois primeiros-cabos em regime de contrato, um com 25 anos de idade e 6 de serviço – faltava-lhe uns dias para passar à disponibilidade e cumpriu mais esta missão como qualquer um dos demais – e o outro com 24 anos de idade e quase 4 de serviço; e um segundo-cabo tinha 23 anos de idade e 5 de operações especiais. Além do equipamento e das técnicas que são determinantes neste tipo de operações, talvez mais que em várias outras uma vez que a dureza do clima é extrema, aqui sobressai também a necessidade de uma boa capacidade física e resistência psicológica para enfrentar condições tão adversas e continuar a combater. Nestes militares está sempre presente que, muito mais do que viver na neve, eles têm que, apesar da neve, da altitude, do frio e de todas as particularidades deste ambiente, cumprir as suas missões, e essas podem ser de acção directa, de reconhecimento, sniper, e outras. É um treino bastante complexo, os militares são muitas vezes levados ao limite, garantindo desta forma um nível de prontidão elevado e grande probabilidade de sucesso numa missão real.
(1) Anteriormente designado por Grupo de Operações Especiais, agora faz-se uso em Portugal desta designação em inglês, a mesma que nos países da NATO.
(2) Em boa verdade são três cursos diferentes: Curso de Operações Especiais QP (para oficiais e sargentos dos Quadros Permanentes); Curso de Operações Especiais para Oficiais e Sargentos em Regime de Voluntariado/Regime de Contrato (RV/RC); Curso de Operações Especiais para Praças RV/RC.
(3) Na Sachkhere Mountain Training School, da Geórgia. Desde 2010 que este centro foi declarado pela Parceria para a Paz da NATO “Training and Education Centre”.
(4) Em Agosto de 2002 a NATO anunciou publicamente a dissolução desta força criada nos anos 60 e que evoluiu até ao escalão brigada, devido a alterações que se verificaram na estrutura de forças da NATO e nos conceitos de reacção rápida da aliança atlântica. A cerimónia que materializou o fim desta unidade que integrava forças de 14 países da NATO realizou-se em 30 de Outubro de 2002 no seu quartel-general (Heidelberg-Alemanha).
Veja aqui o filme desta reportagem: TREINO NA NEVE PARA FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS
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