O REGRESSO DOS HERÓIS
Por Miguel Machado • 1 Jun , 2009 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintDia 3 de Junho de 2009 está agendado na Assembleia da República o debate em plenário da Petição lançada pelo Movimento Cívico dos Antigos Combatentes, que pretende resgatar os restos mortais dos militares portugueses que morreram em África antes das independências da Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Neste texto o “Operacional” aborda esta questão olhando para alguns argumentos usados no debate público sobre a questão, o modo como em França se resolveu o caso dos mortos na Indochina e recorda com imagens a missão de 2008 que permitiu repatriar 3 militares pára-quedistas portugueses.
A imprensa generalista, aquela que chega à grande massa da população e que tem real capacidade de influenciar o poder político por essa via, tem dado conta, com maior ou menor destaque, do movimento que luta pelo repatriamento dos militares portugueses mortos na última guerra que Portugal travou em África.
De um modo geral os jornalistas ouvem os peticionários que pugnam pelo regresso dos restos mortais e a Liga dos Combatentes que defende, quase e sempre com “nuances”, a permanência dos portugueses mortos em cemitérios militares nos teatros de operações.
Sendo certo que os exemplos estrangeiros não nos obrigam a nada, ainda assim, de quando em quando quem defende o “não regresso” a Portugal dos que combateram pela sua Pátria, vão buscar exemplos à 1ª e 2ª guerras mundiais. Reportam-se aos teatros de operações na Europa para justificar a sua opção, com as imagens do cemitério português de Richebourg ou as dos enormes cemitérios militares da Normandia. Não nos parece que tenha muito a ver com o que agora está em causa. Além dos aspectos políticos, sociais e culturais que diferenciam França de África, há as questões económicas. Como bem sabe por exemplo quem foi Adido Militar em Paris, o orçamento destinado à manutenção do pequeno cemitério português em França, é uma dor de cabeça permanente. Já houve períodos bem recentes em que doía olhar para a degradação do local onde estão os restos mortais dos que combateram em La Lys! Se para o Estado não é fácil dispor de dinheiro para a manutenção, também não consta que muitos familiares de militares portugueses ali sepultados se desloquem a França para cumprir o seu culto dos mortos. Sim, porque um dos argumentos usados por quem defende o “não regresso” seria que por essa via – a manutenção dos corpos em África – estimulava-se a deslocação à Guiné, Angola e Moçambique dos familiares dos mortos em combate. Está-se mesmo a ver…
E o debate continua assim, enquanto a Assembleia da Republica por força da petição popular em marcha, não se pronuncia sobre o assunto. Ciclicamente, talvez para impressionar, vêm a público os valores que custaria tal tarefa da trasladação para a sua Pátria daqueles que um dia por ela deram a vida. Claro que neste caso, ninguém diz quanto custará anualmente, para todo o sempre, a manutenção dos vários cemitérios em África.
Não sei bem porquê mas sempre que se fala neste assunto, raramente (ou mesmo nunca) se fazem comparações com outros países que enviaram os seus soldados para guerras distantes e os trouxeram de volta. Aponta-se sempre e apenas, os casos acima referidos. No entanto há vários exemplos que podiam servir de guia ou pelo menos de inspiração. Os americanos, um pouco por todo o mundo onde combateram, depois da 2ª Guerra Mundial (e mesmo nesta), repatriaram – e continuam na procura – os seus mortos. Do Vietname à Birmânia, onde houver um militar desaparecido, os EUA não desistem. Também os australianos, muito recentemente, conseguiram encerrar o ciclo do Vietname repatriando o último militar seu que ainda ali estava sepultado. Poderá afirmar-se que estes dois casos são muito diferentes do português. Mas há outros países, com situações coloniais com algumas semelhanças às portuguesas que o fizeram. E não se julgue que foram “apenas” 3 mil mortos como nós, foi com muitíssimos mais.
Da antiga Indochina Francesa foram repatriados nos anos 80 os restos mortais de 27.239 vítimas de uma guerra que causara mais de 47.000 mortos franceses e terminara em 1956, quando o último soldado francês abandonou o território. Depois de anos de negociações lideradas pela Secretaria de Estados dos Antigos Combatentes de França, foi conseguido um acordo e em 10 de Outubro de 1986, M. Chirac, à data 1ª Ministro, recebeu no aeroporto de Roissy, as primeiras urnas provenientes do Vietname. Seguiu-se uma cerimónia em Paris sob a presidência de M. Miterrand.
Hoje França reconhece que sobretudo em algumas regiões do Norte do Vietname ainda haverá corpos de militares seus não localizados, mas a esmagadora maioria está em solo francês.
Neste caso a opção foi construir um memorial na vila de Fréjus, cuja autarquia ofereceu o terreno, e aí depositar parte das ossadas (mais de 17.000 indivíduos identificados) regressadas do Oriente. Trata-se de um verdadeiro complexo de homenagem aos combatentes, que inclui espaço museológico, inaugurado em 1993 pelo Presidente Miterrand.
Este “Memorial das Guerras da Indochina”, assim se designa, é propriedade do Estado e depende de uma Secretaria de Estado do Ministério da Defesa que tem a responsabilidade dos Antigos Combatentes.
É um exemplo, entre outros, este que aqui apresentamos e que nos chegou vindo de França por mão amiga, a provar que ao contrário do que se possa pensar e mesmo afirmar, outros já percorreram um caminho semelhante e conseguiram.
Se quiser saber mais: http://www.memorial-indochine.org
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