O PELOTÃO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA
Por Miguel Machado • 6 Nov , 2014 • Categoria: 09. ONTEM FOI NOTÍCIA - HOJE É HISTÓRIA, EM DESTAQUE PrintMais um artigo na secção “Ontem foi notícia, hoje é história”. Data de Agosto de 1994, tem portanto 20 anos, foi originalmente publicado na revista francesa RAIDS (e também nas edições em língua inglesa e espanhola que então existiam) e terá sido uma das primeiras aparições na imprensa do Pelotão de Operações Especiais da GNR. Como se verá muita coisa evoluiu desde então, mais tarde em 2008, fizemos novo artigo já sobre a Companhia de Operações Especiais e hoje a unidade herdeira destas designa-se Grupo de Intervenção de Operações Especiais. Aqui fica um pouco de história, com uma ou outra nota para enquadrar o assunto.
O PELOTÃO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA (1994)
19 de Setembro de 1977, prisão de Custóias perto do Porto, dez reclusos revoltam-se e fazem reféns vinte funcionários. Os amotinados tentam fugir mas os guardas prisionais abrem fogo e a situação degrada-se rapidamente, em minutos há um refém morto e três feridos, os presos conseguem armas e barricam-se num dos edifícios.
Chamada a intervir em reforço dos guardas prisionais(*) a Guarda Nacional Republicana (GNR) envia um forte contingente com viaturas blindadas Shorland, cavalaria e infantaria, a prisão fica cercada. Elementos do ministério da Justiça começam a dialogar com os presos e após cerca de 24 horas de tensão, estes entregam-se sem luta.
No relatório para o seu escalão superior o comandante das forças da GNR empenhadas na acção refere que não tinha uma unidade com capacidade para montar um assalto, e se a ordem para o fazer tivesse sido dada não poderia ter garantido a salvaguarda da vida dos reféns. Estes corajosos comentários foram um alerta para a instituição, criaram mesmo algum mal-estar interno, mas desencadearam o estudo da constituição de uma nova unidade: o Grupo Especial de Intervenção, no Batalhão n.º 1 da GNR, a partir de Novembro de 1978 (**). Entretanto foi criado o Grupo de Operações Especiais da Polícia de Segurança Pública que acabou por ter a atribuição legal em todo o território nacional e mesmo no estrangeiro, para algumas das missões que o GEI pretendia.
O comandante-geral da GNR determinou assim, possivelmente para não entrar em choque com as diretivas ministeriais que haviam criado o GOE da PSP, que fosse ministrada formação a pessoal destinado ao novo Grupo Especial de Intervenção, o qual se destinaria a intervir apenas na área de responsabilidade da GNR.
O “tiro de partida” estava dado! Assim nasceram, discretamente, as Operações Especiais da GNR e ao longo dos anos foram adquirindo formação, equipamentos e a armamentos adaptados às missões a desempenhar. Nos anos 80 cerca de 40 militares, voluntários, muitos que haviam cumprido o serviço militar nas unidades de elite do Exército (Comandos), Força Aérea (Pára-quedistas) e Marinha (Fuzileiros), tinham por missão (já um pouco mais elaborada que a inicial) “…intervir decididamente com o objectivo de proteger as vidas e os bens durante confrontos com criminosos armados, fortificados ou barricados desde que se tenham esgotado todas as possibilidades de restabelecer a ordem pacificamente por meio da negociação…”.
Havia aqui a intenção de tentar não colidir com as competências legais do GOE/PSP a quem cabia a exclusividade das operações anti-terroristas em Portugal, mas no inicio dos anos 90, é então criado o Pelotão de Operações Especiais (POE) integrado no Batalhão Operacional do Regimento de Infantaria da GNR.
Militares de elite
Os elementos do POE devem estar prontos a intervir num espaço de tempo muito curto, tendo por isso que ter uma formação adequada a esta capacidade de intervenção imediata, tanto mais que raramente o sistema de recolha de informações da GNR e/ou de outras forças, consegue antever situações que são sempre completamente inopinadas. Quem integra o POE já cumpriu quer o serviço militar nas Forças Armadas, quer algum tempo de serviço na GNR. Depois para servir no Batalhão Operacional, recebem formação em manutenção de ordem pública (uso de bastões, formações, emprego com viaturas especiais canhão de água, etc) e em tácticas e técnicas básicas do combatente de infantaria. As companhias de ordem pública realizam pontualmente exercícios com o Exército onde lhe compete, em tempo de guerra, assegurar a ordem nas áreas da retaguarda. Assim quando um candidato se apresenta para o POE já tem uma boa formação militar e de manutenção da ordem pública.
A formação no POE desenrola-se em três fases: desenvolvimento das capacidades individuais; combate em equipa (5 homens); familiarização com as armas especiais e actuação do pelotão, e mesmo inserido em outras unidades. A idade média dos militares do POE situa-se nos 28 anos. No decurso da sua permanência na unidade o militar vê incentivada a sua participação em actividades como as artes marciais, o tiro, montanhismo, uso de explosivos, o boxe e outras que sejam uma mais-valia para a unidade. Diz-nos o Major Silva Laires da repartição de operações e instrução do Batalhão Operacional, e nessa medida responsável pela formação e cursos do POE, “…a formação nunca será completa se não incluir o estudo aprofundado do que é a violência organizada, as reacções psicológicas em períodos de tensão e o objectivo constante de seguir rigorosamente as disposições legais…”. Contrariamente a outras unidades de elite da Policia e das Forças Armadas o POE não tem desenvolvido actividades de cooperação internacional, excepto alguns cursos que a titulo individual oficiais da unidade frequentaram no estrangeiro, e de troca de informações com elementos da Gendarmerie francesa e dos Carabinieri italianos.
Missões
As ocasiões onde e quando o POE/GNR estão definidas e são coordenadas para não haver interferências entre forças de segurança e ser respeitado o quadro legal em vigor. Na área de responsabilidade da GNR – as zonas rurais – se uma unidade da Guarda se deparar com dificuldades que possam ser resolvidas pelo POE, enquanto os negociadores tentam resolver o problema, o Batalhão Operacional activa o POE para salvaguarda de vidas humanas que possam estar ameaçadas. Quando as companhias de ordem pública do batalhão são empregues, são acompanhadas de uma ou mais equipas do POE. Se for detectado algum elemento armado entre os manifestantes caberá à equipa do POE a sua neutralização. Do mesmo modo acompanham rusgas e outras actividades de combate ao crime, por exemplo tráfico de droga, quer sejam operações da GNR ou a pedido da Polícia Judiciária. Recentemente elementos do POE apoiaram operações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em acções de captura e expulsão de estrangeiros em situação ilegal e vivendo de actividades criminosas, habitando em zonas consideradas de elevada perigosidade. Outra das missões é a protecção de altas entidades estrangeiras de visita a Portugal desde que tenham sido convidadas da GNR ou em que a acção decorra em zona rural.
Treino
Não será certamente por acaso que um dos edifícios usados pelo POE para efectuar o seu treino operacional é uma ala desactivada do Hospital Prisão de Caxias. Tivemos oportunidade de assistir a um exercício de rotina do POE neste local, primeiro com uma equipa, depois duas e por fim todo o pelotão em acção. Uma das áreas que nos impressionou foi a utilização das armas de precisão SSG-69 recentemente chegadas ao pelotão. Os métodos de emprego destas armas foram melhorados graças à cooperação internacional. O Capitão Fernandes, oficial do pelotão que teve a seu cargo uma delicada operação – garantir com a descrição adequada, a segurança ao primeiro-ministro britânico, na sua visita a Portugal em Setembro último – diz-nos acerca do emprego destas armas, o qual tem sem dúvida a sua complexidade: “…Uma das questões que se coloca é a de quem dará a ordem para neutralizar um eventual alvo? Vários atiradores têm o alvo no visor, mas quem diz para abrir fogo? O comandante de pelotão? O escalão superior, ou mesmo um magistrado?”(***). O Capitão Martins Rodrigues, comandante interino do Batalhão Operacional, já se havia confrontado com este dilema, “…Não está fora de questão que um individuo armado não se possa emboscar num qualquer edifício junto a uma manifestação onde o batalhão esteja a operar. Nesse caso teremos que ser nós a decidir no momento”.
Este tipo de situações podem acontecer e a GNR se não quer voltar a estar confrontada com a situação de Custóias em 1977, tem de estar preparada e armada, o POE serve para isso. Termina Martins Rodrigues “Se por um lado é muito agradável viver num pais onde os índices de criminalidade são baixos não devemos perder de vista que o perigo está sempre presente, e que só uma formação adaptada à realidade pode fazer face a incidentes inopinados e muito violentos”.
(*) Recorda-se que o Grupo de Intervenção e Segurança Prisional do Corpo de Guarda Prisional só foi criado em 1996.
(**) Interessante verificar que o documento interno do então Batalhão n.º 1 da GNR (mais tarde Regimento de Infantaria e hoje parte da Unidade de Intervenção) com esta determinação referia “…Em Portugal, conhecemos: a existência de uma norma legal com vista à criação de força do tipo em causa na Polícia de Segurança Pública, rumor de que o Corpo de Fuzileiros da Armada está há já algum tempo a treinar pessoal com essa finalidade; rumor de que, há algum tempo atrás, também as Tropas Páraquedistas estariam empenhadas em tal desiderato; esforços da Policia Judiciária apontando para a criação e manutenção de uma estrutura, devidamente coordenada, capaz de responder aos actos de violência em causa…”. De facto em Dezembro de 1979 foi legalmente criado o GOE/PSP e em 1985 o DAE do Corpo de Fuzileiros. Nas Tropas Pára-quedistas existiu a Companhia de Operações Especiais da Brigada de Pára-quedistas Ligeira mas nunca teve “aplicação” civil e na Polícia Judiciária as tentativas para criar uma unidade deste tipo, algumas muito adiantadas com compra de armamento e formação no estrangeiro aos seus elementos, nunca se concretizou.
(***) Curioso que por estes anos não havia a preocupação em ser, como hoje certamente será, um decisor político a dar a ordem. Havia a dúvida entre um operacional que tinha a responsabilidade de resolver o incidente ou um magistrado que deveria garantir a legalidade do acto.
Miguel Machado é
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