O MUSEU DOS BLINDADOS DE SAUMUR – PARTE I
Por Miguel Machado • 27 Set , 2009 • Categoria: 03. REPORTAGEM, 14.TURISMO MILITAR PrintNo final da 2ª Guerra Mundial a firma francesa AMX de Satory (umas das antecessoras da actual Nexter) que se dedicava à construção de veículos militares, recolheu nos campos de batalha vários blindados alemães. Colocou-os em funcionamento e fez uma avaliação para apoio aos estudos que desenvolvia para a renovação do material blindado francês. Foram estes veículos que constituíram o embrião daquilo que é hoje um dos maiores museus de blindados do mundo, o “Musée des Blindés” de Saumur.
O seu grande impulsionador foi o Coronel de Cavalaria Aubry que aproveitou estes carros alemães para estudo dos estagiários da Escola de Aplicação da Arma Blindada Cavalaria existente naquela cidade. O impulso decisivo teve lugar em 1965 quando o Ministério da Defesa criou o Centro de Documentação de Veículos Blindados, exactamente em Saumur. A missão deste centro – reunir, conservar e restaurar veículos blindados franceses e estrangeiros que oferecessem interesse histórico, técnico e pedagógico – permitiu a Aubry juntar uma colecção (agora já também de material do Exército Francês e das empresas fabricantes) que levou à criação do museu em 1977. Em 1983 o espaço foi aberto ao público e hoje funciona sob a responsabilidade da Associação dos Amigos do Museu dos Blindados, uma vez que, segundo a lei francesa, a exploração financeira de uma instituição militar – mesmo como o museu – não pode ter lugar. O museu vive de subvenções do Ministério da Defesa, dos vários organismos autárquicos da região, das entradas pagas e das receitas a loja e do aluguer de materiais do museu para actividades externas.
Colecção
O acervo de material do museu é sem dúvida impressionante, cerca de 850 veículos dos quais 200 estão a funcionar. Mas a colecção exposta não se esgota nos veículos. Há uma série de elementos complementares (muitas peças de artilharia, fardas, mapas, ferramentas, armas e outros equipamentos individuais, cartazes, etc.), que enquadram as viaturas nas épocas e locais. Além da parte visitável do museu que a seguir apresentaremos existe uma outra, da qual só vimos “bocados”, onde se recolhem os veículos – muitos! – há espera de recuperação ou destinados a trocas, e naturalmente uma parte oficinal.
Como o próprio guia do museu refere – uma interessante brochura a cores com 47 páginas que se compra por 2,00€ – estamos perante um “museu vivo”, ou seja há alterações regulares ao material exposto. Naturalmente que a parte substancial dos veículos, até pela sua importância, mantêm-se expostos por muitos anos.
Os veículos no interior das salas de exposição estão em bom estado de conservação, o que como bem sabe quem visita museus nem sempre é fácil.
A colecção – em Julho de 2009 – estava dividida nos seguintes espaços:
– Entrada e sala da guerra 1914-1918, onde se podiam ver exemplares dos primeiros carros de combate franceses, por exemplo o “Schneider”, o “Saint-Chamond” e o “Renaut F17” (este é um dos que ainda funciona e é apresentado regularmente em festivais), e algumas miniaturas referentes à história deste tipo de veículos;
– Sala campanha de França, 1940, com a interessante realidade esquecida pela maior parte dos historiadores – fruto da derrota francesa – sobre a dimensão da arma blindada de que a França dispunha e a sua qualidade. A informação que nos é mostrada garante que os veículos alemães e franceses eram equivalentes em número e em performances, sendo a derrota fruto do seu mau emprego – os generais gauleses estavam agarrados às lições da 1ª Guerra Mundial, para apoiar a Infantaria – e não há luz do que os alemães fizeram na campanha da Polónia. Nesta sala podemos ver os “Hotchkiss H39”, vários “Renault” entre os quais o curioso “EU 31” de reabastecimento que é um pequeno blindado de lagartas com um reboque também de lagartas (como ainda hoje existem os fabricados pela sueca Hagglunds que vários países usam no Afeganistão), o pesado “B1bis” o mais potente blindado francês dessa época, o “Somua”, a auto metralhadora “Panhard AMD 178”, entre outros.
– Sala alemã da 2ª Guerra Mundial, um dos pontos fortes deste museu, onde se apresentam alguns exemplares raríssimos e, por exemplo o “Tigre II”, é o único no mundo a funcionar. Esta sala é certamente das mais apreciadas pelos inúmeros modelistas e entusiastas de história militar que visitam o museu, o local onde se pode estar junto às “estrelas” mais conhecidas do último conflito mundial, inúmeras vezes vistos em livros, revistas, filmes, kits. Mas além dos poderosos “Tigres” I e II e os conhecidíssimos “Panzerkampfwagen” III, IV e V, podemos ver muitos blindados e viaturas alemãs bem mais discretos. Dos vários “Marders” (canhões anti-carro alemães e russos, adaptados a chassis com lagartas de origem francesa, checa e alemã), aos “caçadores de carros” “Jagdpanzer” e “Jagdpanther”, passando pelos transportes de tropas blindados, os “meia-lagarta” “Schutzenpanzerwagen” e os “Strumpanzer” ou “canhões de assalto” para apoiar a infantaria e que chegavam a dispor de calibre 150mm. Mas também veículos como uma carroça de tracção animal – intensamente usada na guerra – uma moto com lagartas (a “Kettenkrad”), ou um camião “Hanomag” tractor do foguete V2.
– Sala italiana, também dedicada à 2ª Guerra Mundial é um pequeno espaço que apresentava 2 carros dos mais conhecidos deste país nessa época, todos eles originários da Divisão “Ariete” e que haviam combatido em África: o “Semovente M42” e o “Ansaldo-Fiat M15/42”.
– Sala (improvisada) de exposições temporárias, onde estavam patentes muitos modelos de veículos franceses numa mostra publicitária da “Nexter” denominada “1916-2009 Nexter, héritier de l’histoire des blindés français”.
– Sala das curiosidades, onde…realmente se pode ver um pouco de tudo. Da “vespa” armada com um canhão sem recuo destinada às tropas pára-quedistas, ao carro-mala que se dobra/desdobra e se transforma numa mala, passando por um “Jeep” equipado com mísseis ANTAC ou o “Goliath” alemão, uma espécie de antecessor dos modernos robots que começam a chegar aos campos de batalha. É também aqui eu se encontra uma primeira referência a Portugal: um cartaz do filme de Maria de Medeiros “Capitães de Abril”, para o qual – embora nenhuma referência a isto esteja presente – o museu cedeu viaturas.
– Sala Pacto de Varsóvia, a que temos acesso por uma entrada que simula o “Muro de Berlim” e dentro da qual uma grande colecção de veículos “do Pacto” nos é apresentada. Parte deles está bem expresso, sem problemas, foram capturados pelo Exército Francês na Guerra do Golfo e na Bósnia. Aqui também se apresenta aos mais novos o que foi o Pacto de Varsóvia e os países que o compunham. Os principais carros de combate de fabrico russo estão expostos, desde o T-34-85, ao T-72, passado pelo T-54-55 e outros, para além de viaturas blindadas diversas, como a PT 76 da Infantaria de Marinha soviética, as conhecidíssimas e muito distribuídas internacionalmente BMP 1 e BTR 70, ou menos conhecidos como a anti-aérea BOV 3 Jugoslava trazida da Bósnia-Herzegovina em 1996 ou a RM 70T (lança foguetes múltiplos) da Checoslováquia.
Veja aqui a 2ª parte desta reportagem: O MUSEU DOS BLINDADOS DE SAUMUR – PARTE II
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