O MONITOR HMS M.33 EM PORTSMOUTH
Por Miguel Machado • 14 Jun , 2016 • Categoria: 14.TURISMO MILITAR, EM DESTAQUE Print“Um pequeno navio com uma grande história”, “um dos 3 navios da Royal Navy na 1.º Guerra Mundial que sobreviveram até hoje” e “o único navio sobrevivente da campanha de Gallipoli”, são apenas 3 dos aspectos que o The National Museum da Royal Navy explora para promover este que é o seu mais recente navio transformado em museu. O Operacional foi visitá-lo em Portsmouth.
Gallipoli, expoente máximo da sangrenta Campanha dos Dardanelos que o Império Britânico combateu, e perdeu, em 1915 no Estreito de Dardanelos – entre o Mar da Mármara e o Mar Egeu – foi o principal teatro de operações onde o M.33 actuou. Hoje preservado, aberto ao público, mostra-nos como viviam e combatiam os marinheiros nessa época. Isto é conseguido pelo modo como o navio foi recuperado, com uma enorme panóplia de equipamentos – uns reais outros réplicas perfeitas – ali colocados para recriar a “vida a bordo”, a projecção de filmes sobre a campanha e diversa informação sobre o conflito e esta classe de navios, muitos painéis informativos e uma “guarnição” competente e interessada em explicar as mínimas dúvidas dos visitantes.
A visita
A visita ao navio, um dos 4 que a Portsmouth Historic Dockyard apresenta – HMS Warrior 1860 (o maior, mais rápido e poderoso navio da sua época); HMS Victory (a bordo do qual morreu Nelson); The Mary Rose (o único navio do século XVI visitável no mundo); HMS Alliance (o único submarino britânico sobrevivente da 2.ª guerra mundial); o HMS M.33 (único navio britânico sobrevivente da campanha dos Dardanelos – 1915/16 e da Guerra civil na Rússia) – é paga e decorre por grupos, embora seja acompanhada apenas na entrada, decorrendo depois livremente. Um dos elementos da “guarnição” recebe os visitantes fala um pouco sobre a história do navio e algumas das suas particularidades, despertando o interesse para aspectos considerados mais relevantes. Segue-se a projecção de um filme, naturalmente para quem deseje assistir, sobre a 1.ª Guerra Mundial, a Campanha dos Dardanelos muito em particular e depois mais alguns aspectos da história do M.33. Depois, cada um por si, percorre livremente os diferentes compartimentos e, em alguns deles, pode pedir esclarecimento aos elementos da “guarnição” que por ali andam, interessados em contribuir para uma boa visita. Quando ali estivemos a maioria destes “marinheiros” eram gente claramente em idade de reforma que alegremente ajudavam os visitantes a compreender a história do navio e a finalidade de muitos dos seus componentes.
A título de curiosidade, em Portsmouth ainda há, ligados à temática Marinha de Guerra, o “National Museum of the Royal Navy Portsmouth (nas docas junto aos navios, já referidos) o “Explosion Museum of Naval Firepower” (em Gosport, ao lado do “HMS Alliance” no “Royal Navy Submarine Museum”, frente a Portsmouth, a 5 minutos de ferry) e o “Royal Marines Museum” (a uns 4 km da estação de caminho de ferro que fica ao lado da Portsmouth Historic Dockyard).
O acesso às docas é livre, bem assim como a diferentes lojas de recordações sobre temática naval em geral e muito em particular das atracções expostas, mas os navios em si e os museus são pagos e, pelo menos para nós portugueses, não são nada baratos: entre as 9 £ no Royal Marines Museum e as 18£ para HMS Victory ou o HMS Warrior 1860, ficando o M.33 pelas 10£ (adultos).
O que é um “Monitor”?
“Monitor” foi a designação adoptada para uma classe de navios que foram usados em algumas marinhas depois da segunda metade do século XIX, tendo depois sido empregues na 1.ª e 2.ª guerra Mundial e, mesmo depois, nos países do antigo Pacto de Varsóvia – como a Roménia no Danúbio, por exemplo – havendo também quem considere alguns navios usados nos rios do Vietname pelos americanos, dentro desta classe. A origem do nome vem do USS Monitor (1861) usado na Guerra Civil americana e regra-geral designa navios relativamente pequenos, com armamento de grande calibre, aspecto até por vezes desproporcionado – armas/navio – sem grande capacidade de navegação, usados em zonas costeiras e rios/lagos. Em muitos casos tratava-se de navios com grande blindagem mas pouca autonomia.
O HMS M.33
Trata-se de um “monitor”, que foi mandado construir em 1915 – eram navios simples, logo fáceis de construir e baratos – numa encomenda de 5, sendo o M.33 o último. O seu principal argumento militar era no entanto o armamento, as peças de 6 polegadas, as quais podiam fazer fogos do mar para a terra, uma vez que o baixo calado do navio – se lhe retirava capacidade de navegação em alto mar – permitia navegar bem perto da costa. A construção foi extraordinariamente rápida, nos estaleiros “Workman, Clark and Co.” de Belfast, demorou apenas 4 meses, e o navio seguiu para a costa da Turquia.
Nesta campanha o Reino Unido, atolado na guerra de trincheiras na Europa, pretendia atacar os turcos, aliados dos alemães desde Novembro de 1914, conquistar Constantinopla (actual Istambul), então a capital, para aliviar a pressão sobre a Rússia, aliada do Império Britânico, e assim enfraquecer a posição da Alemanha no Leste da Europa, e indirectamente também a Oeste. Wiston Churchill, “First Lord” do Almirantado desde 1911 e nesse sentido principal responsável político pela Royal Navy, defendeu esta estratégia e ela foi aprovada. Uma esquadra anglo-francesa iniciou o bombardeamento das fortificações da costa dos Dardanelos em Fevereiro de 1916, mas não conseguiram forçar a passagem apenas pelo mar até à capital turca. Optaram, então pelo assalto anfíbio de modo a conseguir pontos de apoio em terra e a neutralizar as defesas turcas. Em 25 de Abril de 1915, nada menos que 5 divisões aliadas, incluindo australianos e neo-zelandeses (o célebre ANZAC – Australian and New Zealand Army Corps), lançaram-se sobre as praias de Gallipoli. A história é conhecida, foram quase 9 meses de combates que terminaram com a retirada dos aliados que apesar de muito heroísmo e pesadas baixas, foram claramente derrotados. Segundo dados oficiais britânicos, os aliados sofreram 51.771 mortos (8.709 australianos; franceses e suas colónias 9.800; Grã-Bretanha e Irlanda 29.134; Índia 1.358; Nova Zelândia 2.721; Canadianos 49) e os turcos 86.692.
14 “monitores”, um dos quais o M.33 foram enviados para integrar a esquadra aliada, tendo o M.33 feito navegação desde as Ilhas Britânicas a partir de 28 de Junho de 1915, mas chegou a Malta rebocado, dadas as condições de mau muito adversas no Golfo da Biscaia. A 24 de Julho estava no Mar Egeu e a 6 de Agosto bombardeava a costa em Gabe Tepe, perto de Sulva Bay em apoio a um desembarque aliado. Numa semana os seus canhões disparam 316 munições. As missões continuaram mas não com a mesma intensidade e em Janeiro de 1916 o M.33 acompanhou a retirada com mais sorte que muitos outros navios, não sofreu uma única vitima mortal.
O M.33 continuou na região, e logo nesse mesmo mês de Janeiro foi empregue na Campanha da Bulgária. Actuou nas imediações de Salónica, tendo sido inclusive atacado por meios aéreos aviões e Zeppeling, que abateu, fazendo uso das suas armas anti-aéreas – dois antigos canhões de 6 libras (57mm). Em Maio o navio deslocou-se para sul a fim de participar num bloqueio à costa turca e foi perante os olhos da sua tripulação que o M.30, navio irmão, foi severamente atingido pela artilharia turca.
A actividade operacional na região continuou com muita acção, escoltas, bombardeamentos, missões de reconhecimento, e em 8 de Outubro de 1918, a tripulação inicial (desde 1915!), foi finalmente substituída. Em 1919 o navio regressa ao Reino Unido e logo em 10 de Maio, parte para a Campanha da Rússia, em apoio dos “Russos Brancos” contra os “Bolcheviques”. Navegando três semanas desde Portsmouth, passando o Cabo Norte, chegou a Archangel (Arkhangelsk), porto no Mar Branco, a sul da conhecida península de Murmansk na Rússia. Combateu no rio Dvina em apoio das forças russas em terra durante 3 meses. Integrava uma força britânica de 7 “monitores” e outros navios de guerra adaptados ao combate naquelas circunstâncias. O navio esteve empenhado em muitos combates, foi mesmo atingido várias vezes e sofreu danos. Ainda hoje há marcas no navio das reparações então feitas, nesta campanha nos rios da Rússia que dizem os relatos da época, foi para o M.33 bem mais perigosa que a dos Dardanelos. Por várias vezes os seus “marines” embarcados, tiveram que combater em terra, e foram várias as peripécias incluindo ter que aliviar o peso do navio – por causa do nível das águas dos rios ser muito baixa em determinadas épocas – retirando inclusive os canhões de 6 polegadas e combatendo com as armas de menos calibre. Em Setembro de 1918 o M.33 foi um dos últimos navios britânicos a retirar de Archangel e em 18 de Outubro estava nas docas de Chatham, junto às costas do Canal da Mancha, não muito longe de Londres.
O pós-guerra
O M.33 ficou em reserva durante 4 anos, e em 1924 foi transformado em “lança-minas” Pembroke (País de Gales), em 1925 transferido para Portsmouth onde integrou a Escola de Minas da Royal Navy. Ainda neste último ano foi “renomeado” HMS Minerva, com serviços ocasionais e em 1939 foi posto à venda mas o eclodir da 2.ª Guerra Mundial nesse ano salvou-o e voltou ao serviço. Sofreu várias adaptações sendo utilizado em vários locais do Reino Unido – rios e portos – como unidade de apoio sem armamento.
Por incrível que pareça manteve-se a flutuar, como oficina e gabinete de trabalho, durante 25 anos depois da 2.ª guerra mundial! A partir de 1984 foi novamente posto à venda o que aconteceu em 1987, sendo comprador uma associação que se dedicava à preservação de navios. Em 1990 a autarquia de Hampshire, adquire-o para iniciar em 1991 um longo programa de restauração do navio, que só foi possível concretizar com uma verba de 1,79 milhões de libras (mais de 2 milhões de euros)recebida para o efeito da Heritage Lottery Fund, que usa dinheiro da Lotaria Nacional para projectos de recuperação de património histórico, “da pré-história aos nossos dias”.
Após 70 anos ao serviço, o M.33 conseguiu evitar a sucata e hoje é uma das atracções do “Portsmouth Historic Dockyard”, com um aspecto, organização interna, armamento e equipamento muito semelhante ao que tinha em 1915 no seu baptismo de fogo. Segundo quem o recuperou…está pronto para mais 100 anos de serviço, agora na divulgação da história da Royal Navy e do Reino Unido.
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