O ESCUDO DO REINO, A FORTALEZA DE S. JULIÃO DA BARRA
Por Miguel Machado • 11 Out , 2011 • Categoria: 08. JÁ LEMOS E... PrintA Fortaleza de S. Julião da Barra é hoje um dos edifícios do seu género com maior exposição pública no nosso país, não só pela sua localização, bem à vista de todos, como pelo facto de estar atribuído a funções oficiais que o tornam palco de constantes noticias na comunicação social. Este livro mostra-lhe mais do que isso.
O “Escudo do Reino, a Fortaleza de S. Julião da Barra”, nascido da ideia de um antigo responsável pelas relações públicas da Defesa Nacional, o Coronel Vítor Borlinhas, é um excelente contributo para o seu melhor conhecimento, pela pena de Rui Carita e pela lente de António Homem Cardoso.
Rui Carita, professor universitário e autor com obra publicada sobre património arquitectónico e militar, escreve sobre a história de S. Julião da Barra desde a sua construção a partir de 1552/1553 até à actualidade, sempre muito documentado – a bibliografia mostra bem a dimensão da pesquisa histórica – e apresentando a obra muitas reproduções de desenhos, mapas, plantas e outros “documentos de época” que muito enriquecem o trabalho. Curiosamente, e adiante falaremos disso, é na actualidade que o livro apresenta uma comprovada lacuna quando aborda o seu uso nos dias de hoje.
António Homem Cardoso, fotógrafo de excepção, multifacetado, com obra publicada em Portugal e no estrangeiro ao longo de mais de 40 anos de carreira, inclui neste trabalho fotografias que mostram, pelo seu ângulo muito singular, a Fortaleza de S. Julião da Barra na actualidade.
Finalidade
Na apresentação da obra, o Ministro da Defesa Nacional à data do lançamento, em 2007, Nuno Severiano Teixeira, escreve, «No momento em que Portugal assume a presidência da União Europeia, e Lisboa e a fortaleza de S. Julião da Barra se tornam centro de negociações por excelência da sociedade europeia e, em grande parte, assim também do Mundo de Hoje, o chamar da atenção de toda a carga histórica de quatro séculos e meio, deste e de todas as demais fortalezas portuguesas espalhadas pelo Mundo é, por ventura, uma responsabilidade a que o Ministério da Defesa Nacional não se podia apartar.»
Investigação histórica
O detalhe do trabalho a nível histórico está bem documentado no Índice que publicamos e todas as diversas fases da vida da fortaleza estão muito desenvolvidos. Em cada capítulo da sua vida é feito um enquadramento político, militar e arquitectónico que torna o livro muito mais do que uma simples descrição da fortaleza. É uma obra de história militar, com natural incidência nos aspectos ligados à fortificação e à defesa da costa de Lisboa. Não se limita mesmo à fortaleza que hoje vemos ao passar na marginal, mas aborda também muitos aspectos de outras fortificações – como o não menos conhecido Farol do Bugio – parte já desaparecidas.
A abundante iconografia de carácter histórico, recolhida em diversos arquivos nacionais, militares e civis, muito enriquecem a obra. E também aqui não se limita o autor àquilo que poderia parecer mais ligada à fortificação mas alarga a inclusão de imagens de uniformes de diversas épocas, personalidades nacionais e estrangeiras citadas, entre outras.
Residência oficial?
Como não “há bela sem senão”, na parte respeitante à actualidade o autor refere, mais do que uma vez, que S. Julião da Barra é a residência oficial do Ministro da Defesa Nacional. Na realidade, embora a generalidade dos titulares da pasta da Defesa Nacional desde Fernando Nogueira lhe tenham dado esse uso, uns mais do que outros, tal classificação não tem suporte documental, ou se quisermos, legal.
Neste detalhe o autor refere e bem as funções de representação da Defesa Nacional a partir dos anos 50 do século XX, terminada a afectação como “fortificação”, e a sua entrega ao Estado-Maior-General das Forças Armadas, até 1974. Ou seja, ali se recebiam convidados, nacionais ou estrangeiros, para reuniões ou mesmo pernoitar, o que é diferente de ser “residência oficial do Ministro da Defesa Nacional” que nunca foi.
O período do pós-25 de Abril é omitido no livro, saltando-se para o presente. Entre 1975 e 1981 o Presidente da República (que era cumulativamente Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas) detinha autoridade sobre S. Julião da Barra. António Ramalho Eanes, Presidente, determina no entanto em 1983 que «não tem qualquer pretensão relativamente ao Forte de S. Julião da Barra, parte integrante do património militar e que, como tal, considero deve ser definitivamente mantido na dependência das Forças Armadas, através da sua afectação ao respectivo Estado-Maior-General.» (1)
Esta situação mantêm-se até 1994 quando o Ministro da Defesa Nacional, Fernando Nogueira (1990 a 1995), «…transferiu a responsabilidade pela gestão do referido imóvel do EMGFA para o Ministério da Defesa Nacional, confiando a sua administração à respectiva Secretaria-Geral, mantendo-se o seu uso para fins de representação.» (2) Foi aliás Fernando Nogueira que atribuiu, neste mesmo momento ao seu próprio Gabinete a “…coordenação da respectiva utilização…” (3) e a decidir viver nas instalações do Forte, prática seguida desde então, como acima já se referiu. Uns a título permanente e mesmo com familiares outros apenas em alguns períodos. Desconhece-se se o actual ministro, José Aguiar-Branco, segue esta prática (*).
Aberto ao público
A fortificação mantêm-se actualmente com as funções de representação, sendo nele recebidos visitantes oficiais do Ministro da Defesa Nacional.
Além disto, algumas dependências podem ser alugadas para eventos privados e a sua visita é possível em determinadas condições publicadas no site do MDN. Neste site é aliás possível descarregar em pdf.um interessante roteiro da fortificação.
Não sendo perfeito no detalhe da actualidade, este livro é uma daquelas edições institucionais que tendo muito interesse acabam por chegar apenas a um número restrito de leitores, dada a sua finalidade primeira – declarada ou não, a de ser oferta protocolar de grande qualidade – e os mecanismos de distribuição do editor, no caso o Ministério da Defesa Nacional.
O livro tem formato 24,5X32cm, 209 páginas profusamente ilustradas, capa dura, excelente qualidade gráfica, design apelativo, uma impressão muito cuidada e só podemos aconselhar a sua leitura. Trata-se sem dúvida de mais um importante contributo para a história militar nacional.
(1) Despacho do Presidente da República de 8 de Junho de 1983.
(2) Informação prestada pelo Gabinete de Comunicação e Relações Públicas do Ministério da Defesa Nacional.
(3) Despacho n.º 22 do Ministro da Defesa Nacional de 26 de Janeiro de 1994.
(*) Em 24OUT11 o jornal “Sol” e a Agência “LUSA” noticiavam que o MDN «…José Pedro Aguiar-Branco mantém, igualmente, a decisão de não utilizar o Forte de São Julião da Barra, Residência Oficial do Ministro da Defesa Nacional de Portugal». Mesmo que não seja a “Residência Oficial do Ministro da Defesa Nacional de Portugal”, local que não existe à face da Lei, fica o esclarecimento sobre a utilização actual do Forte de São Julião da Barra.
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