O CONTRA-ALMIRANTE CORTES PICCIOCHI FALA AO “OPERACIONAL”
Por Miguel Machado • 6 Fev , 2013 • Categoria: 02. OPINIÃO PrintNuma altura em que se avizinham grandes mudanças nas Forças Armadas e também no Corpo de Fuzileiros da Marinha Portuguesa, o “Operacional” esteve na Base de Fuzileiros e falou com o Contra-Almirante Cortes Picciochi, comandante desta força de elite desde 2008.
O Contra-Almirante Picciochi, 55 anos de idade e 38 de Marinha, prestou serviço a bordo de diversos navios, nomeadamente nas fragatas “Almirante Gago Coutinho”, “Comandante Sacadura Cabral” e “Comandante João Belo”. A bordo da corveta “João Coutinho” desempenhou as funções de oficial Imediato. Comandou duas unidades navais: o patrulha “Mandovi” e a corveta “António Enes”. De entre as várias funções desempenhadas em terra, salientam-se as de oficial do Estado-Maior da Armada, na Divisão de Pessoal e Organização, 2.º Comandante do Batalhão de Formação Geral Comum e Comandante do Corpo de Alunos da Escola Naval, cargo que exerceu durante 5 anos. É especializado em Educação Física e possui ainda os cursos civis de pára-quedismo e de treinador de voleibol.
Recebeu-nos no seu austero gabinete de trabalho no Alfeite no passado dia 5 de Fevereiro de 2013, e concedeu-nos a entrevista que se segue, a qual muito agradecemos e certamente permitirá aos nossos leitores um maior conhecimento da realidade actual dos nossos fuzileiros. Agora pela voz do seu comandante e na sequência com reportagens, esperamos deixar aqui no “Operacional” um retrato tão factual quanto possível das várias componentes e missões do Corpo de Fuzileiros da Marinha Portuguesa.
Operacional: O que será em termos de organização e efectivos, o Corpo de Fuzileiros da Marinha Portuguesa em 2013?
Contra-Almirante Picciochi: O Corpo de Fuzileiros tem-se adaptado, ao longo dos tempos, às contingências resultantes das reduções de pessoal, mantendo a sua capacidade de cumprir as missões que lhe são atribuídas. No presente, encontra-se em estudo uma nova reestruturação, com quantitativos ainda não completamente definidos, mas que por certo não irá comprometer a essência das unidades operacionais.
Op. E como está o Corpo em termos de efectivos?
CAlm: Estamos a trabalhar abaixo do previsto no quadro orgânico, devíamos ter cerca de 2.000 militares e funcionamos com 1.600, nem todos fuzileiros, o que significa como calculará um esforço acrescido por parte do nosso pessoal.
Op: Quais são os empenhamentos actuais do Corpo de Fuzileiros (CF) em território nacional e no estrangeiro?
CAlm: No território nacional está cometido ao Corpo de Fuzileiros um vasto e diversificado conjunto de atividades, de que saliento, entre outras, a manutenção em permanência de uma companhia com prontidão de 48 horas para integração na Força Nacional de Reação Imediata, recentemente empregue no âmbito da Operação Manatim, equipas embarcadas nos navios de maior porte atribuídos ao dispositivo naval do Continente e Açores, para além de um vasto conjunto de militares empenhados em tarefas de segurança a instalações militares e, ainda, na época balnear, em reforço dos órgãos da Autoridade Marítima na assistência a banhistas em áreas não vigiadas. De salientar, também, a prontidão material e pessoal para apoio à Autoridade Nacional de Proteção Civil, no âmbito da participação pré-estabelecida em vários planos de emergência, nomeadamente em situações de cheias e prevenção de incêndios florestais.
No estrangeiro os fuzileiros têm estado empenhados em diversos projetos de cooperação técnico-militar nos países africanos de expressão portuguesa e em Timor-Leste, bem como têm mantido uma presença continuada em operações internacionais conduzidas sob a égide da NATO, da EU e da ONU, tendo presentemente militares seus no Afeganistão e no Kosovo e outros em preparação para embarque no navio português que comandará a operação de repressão da pirataria no oceano Índico.
Para quem gosta de estatística, posso dizer-lhe que efectuamos 3.800 missões por ano o que representa, em média, 10 por dia, 365 dias por ano.
Op: Em tempos companhias de fuzileiros serviram na Bósnia e em Timor, no entanto tal nunca aconteceu no Kosovo, onde actualmente mantemos pouco mais do que uma companhia. Alguma foi vez foi equacionada a participação dos fuzileiros neste teatro de operações?
CAlm: O Corpo de Fuzileiros tem como um dos seus lemas “no mar e em terra quando e onde necessário”. A decisão do seu emprego é uma competência que não está cometida ao Comando do Corpo de Fuzileiros, pelo que apenas posso afirmar que os fuzileiros estão sempre prontos, para atuar onde superiormente for decidido que a sua contribuição seja necessária.
Op: O CF mantém alguma cooperação bilateral com forças estrangeiras congéneres?
CAlm: Têm sido mantidos contatos regulares com diversas forças congéneres, designadamente da Alemanha, Argélia, Brasil, Espanha, Estados Unidos, França e Polónia (*), seja em matéria de treino combinado seja no campo da formação. Algumas destas cooperações são específicas do Destacamento de Acções Especiais e também temos outras que chamamos “de oportunidade”, o que aconteceu por exemplo com França. Esteve cá um navio de assalto anfíbio deste país e nós aproveitamos para realizar operações a partir desse meio naval que não temos.
Op: Como está o CF em termos de equipamentos, nomeadamente os individuais, mas também aqueles que permitem o seu emprego característico, o desembarque?
CAlm: Como qualquer outra força militar, gostaríamos de poder estar sempre na linha da frente do equipamento militar, no entanto, até porque estamos cientes das dificuldades financeiras nacionais, não será a falta de meios ou equipamento que impedirá o cumprimento de qualquer missão cometida aos fuzileiros.
Op: E armamento?
CAlm: Até à decisão sobre o processo de aquisição de uma nova arma ligeira para equipar as Forças Armadas, continuaremos com a espingarda automática G3, a qual, apesar da idade e menor flexibilidade em cotejo com armas mais recentes, tem correspondido minimamente às necessidades.
Op: As missões no Afeganistão e no Índico têm permitido algum reequipamento do Corpo de Fuzileiros? Em que medida?
CAlm: Permitiu a aquisição pontual de algum material dedicado ao Pelotão de Abordagem para as missões que cumpre no Índico. Desde 2009 equipas deste pelotão têm embarcado todos os anos nos navios da Marinha que ali cumprem missões de combate à pirataria integrados em forças multinacionais.
Op: Apesar das restrições orçamentais há programas de reequipamento em curso?
CAlm:Os programas mais ambiciosos de reequipamento a nível da LPM têm vindo a ser adiados por indisponibilidade financeira, pelo que apenas tem sido possível a aquisição de algum equipamento individual para substituição do que entretanto se degradou com o uso.
Op: Que impacto teve na organização do CF o cancelamento das encomendas de viaturas blindadas Pandur?
CAlm: A aquisição de viaturas blindadas anfíbias é uma ambição do Corpo de Fuzileiros desde longa data, pela mobilidade e proteção blindada que conferem em qualquer situação, muito especialmente em operações de projeção anfíbia. A existência desta capacidade é indissociável do projeto de aquisição de um Navio Polivalente Logístico, o qual continua a constituir um desiderato ambicionado pelas Forças Armadas.
Op: Como decorre hoje a formação de um fuzileiro?
CAlm: A formação dos fuzileiros tem vindo a adaptar-se às necessidades e exigências do presente, seja pela revisão da matéria curricular em virtude do aumento de escolaridade, seja pela atualização de novos métodos de operação adaptados às caraterísticas da conflitualidade prevalecente, sem contudo perder as bases formativas que conferem valências singulares, específicas dos fuzileiros. No seu conjunto, a formação de um fuzileiro, para além dos da componente básica da recruta, compreende 162 dias úteis de curso, onde se inclui a participação em 18 exercícios, e 8 dias úteis de estágio em unidades operacionais.
Na Escola de Fuzileiros em Vale de Zebro ministramos a formação militar básica a todas as praças da Marinha (sejam destinados a fuzileiros ou não) e aos oficiais contratados destinados a fuzileiros.
Op: Porque não têm os fuzileiros elementos do sexo feminino?
CAlm: Os concursos são abertos a ambos os sexos. A razão pela qual não existem elementos do sexo feminino deve-se ao fato de nenhuma candidata ter, até à data, logrado passar nas provas de admissão ao curso.
Op: Qual o grau de colaboração que o Corpo de Fuzileiros tem com unidades de outros ramos das Forças Armadas?
CAlm: Existe uma colaboração total com os outros ramos das Forças Armadas, quer em termos de exercícios conjuntos, quer na rentabilização de meios e infraestruturas, o que, para além das aprendizagens mutuas que desta forma se conseguem, tem permitido minimizar os impactos das restrições orçamentais.
Op: No âmbito das forças especiais como decorre a colaboração com o Quartel-General de Operações Especiais do EMGFA?
CAlm: A colaboração é normal no âmbito das atribuições e responsabilidades de cada um. Temos colaborado com o QGOE sempre que requerido, apontando-se, como exemplo disso, os contributos dados no âmbito da ativação da componente de Ops especiais.
Op: O que nos pode dizer sobre a colaboração do CF, nomeadamente do DAE, com as autoridades policiais no combate ao tráfico de droga em Portugal?
CAlm: O combate ao narcotráfico é efetuado pelas autoridades policiais que, ocasionalmente, a seu pedido, solicitam o nosso apoio na execução de algumas operações próprias. Nos últimos 5 anos efectuamos uma dúzia de operações neste âmbito.
(*) As principais unidades são:
Polónia-JW Formoza – Jednostka Wojkowa Formoza, integrado no Wojska Specjalne Rzeczypospolitej Polskiej
Alemanha-Kampfschwimmer, integrado no KSK Kommando Spezialkräfte em 1997
Espanha-Infanteria de Mariña – BRIMAR; Unidad de Operaciones Especiales (UOE) integrado na Fuerza de Guerra Naval Especial
Macau-Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau –
EUA-USMC; Navy SEAL’s; Special Forces
Reino Unido-Royal Marines
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