NOVAS CAPACIDADES NOS LANCEIROS
Por Miguel Machado • 14 Fev , 2010 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintNa semana em que o Regimento de Lanceiros N.º 2 assinalou 177 anos de vida o “Operacional” foi ver as suas novas capacidades e equipamentos. Fiéis às suas origens britânicas, bem ilustradas na divisa – Morte ou Glória – os Lanceiros de hoje cultivam tradições que fortalecem um vincado espírito de corpo e apresentam um produto operacional moderno.
Para quem nos lê e pertence à “geração do serviço militar obrigatório” é bem possível que fique admirado com as capacidades actuais da Polícia do Exército. Muito mais do que as tradicionais rondas nos terminais ferroviários a velar pelo atavio de milhares de militares a caminho de casa ou no regresso ao quartel. Sempre fizeram mais do que isso, mas era essa a imagem tradicional de qualquer força de polícia militar, de qualquer ramo em qualquer país. Já para os mais jovens, que na última década conviveram com as missões no exterior do território nacional, a “geração das missões de paz” (mesmo que por vezes a palavra paz não seja a que melhor define a missão!), a ideia será diferente. Muitos até terão passado pelo RL 2 para receber formação, nomeadamente em “controlo de tumultos”, capacidade que após muitas reticências o Exército começou a ministrar. Na realidade em 2001 a unidade portuguesa na Bósnia viu-se confrontada com distúrbios civis, e não estava equipada nem treinada para lhes fazer frente, sem ser…a tiro.
Capacidades actuais
Como veremos estas capacidades, muito úteis para as unidades empenhadas em missões exteriores – designação que aqui no “Operacional” gostamos mais de utilizar do que “de paz” – poderão e deverão também ser utilizadas em território nacional, quando e se a situação o exigir. Ali na Calçada da Ajuda em Lisboa está, para quem desconhece o que o Exército pode fazer em termos de segurança interna, parte dessas possibilidades. Quer efectiva quer potencial pela formação que pode dar.
Módulo de Segurança do Elemento de Defesa NBQ. Representa uma parte do esforço que o Exército desenvolveu com o levantamento do Elemento de Defesa Biológico e Químico através da preparação e aprontamento do seu Módulo de Segurança. Este módulo, possui a formação Biológica e Química adequada, e está vocacionado para a segurança de área e das equipas de reconhecimento.
Secções/Esquadras de Controlo de Tumultos. Esta capacidade destina-se a auxiliar as autoridades civis e militares na repressão e controlo de tumultos, no decurso de operações no âmbito da Manutenção da Ordem Pública.
Secção de Protecção Pessoal. É uma força permanentemente pronta para ser empenhada em Forças Nacionais Destacadas (FND) e em operações decorrentes dos processos das NATO Response Force (NRF) e dos Battlegroup da UE. Tem vindo a desenvolver missões no território nacional, dentro e fora de instalações militares, tal como se encontra consignado no Artigo 6º do Código de Justiça Militar.
Batedores em moto. Empregues pela PE há vários anos, representam uma mais-valia considerável para a mobilidade de colunas militares, especialmente quando estas têm de operar em centros urbanos e no controlo de tráfego. A flexibilidade da moto e a elevada experiência dos militares que as operam representam uma capacidade que, para além da sua eficiência, permite uma elevada economia de meios e pessoal. As novas motos YAMAHA TDM 900 que equipam as Secções Moto dos Esquadrões PE, entram ao serviço desde hoje em substituição das BMW RT 80.
Equipas Cinotécnicas. O produto operacional específico deste tipo de valência constitui factor multiplicador de eficácia das Forças de Controlo de Tumultos ou em missões de patrulhamento e segurança. Garante ainda a protecção imediata directa de tropas, instalações e equipamentos devido à sua grande capacidade de alerta oportuno.
Como é regra nos exércitos modernos estas capacidades têm uma estrutura modular o que lhes permite emprego nas mais diversas situações e “volume”. Ou seja as equipas/secções (ou mesmo por vezes 1 ou 2 oficiais ou sargentos) podem ser utilizados em tarefas concretas ou ministrar formação, em território nacional ou nos países com os quais Portugal tem acordos de cooperação técnico-militar, sem obrigar ao deslocamento de toda a sub-unidade. No caso português em que as missões exteriores são cada vez mais cumpridas por forças de dimensão relativamente reduzidas, esta é uma característica muito adequada aos tempos que correm.
Polícia do Exército
O RL 2 assume-se como a “casa-mãe” da Polícia do Exército sendo nele formado todo o pessoal destinado às diferentes unidades desta especialidade, que se encontram nas Zonas Militares dos Açores e da Madeira e nas Brigadas de Intervenção, Mecanizada e de Reacção Rápida. O Regimento é também, ao nível do Exército, Centro de Formação Nacional para o Controlo de Tumultos, Protecção Pessoal e Cinotécnia, tendo neste último caso uma “parceria” com a Escola de Tropas Pára-quedistas.
De acordo com a missão actual da Polícia do Exército e os quadros orgânicos de pessoal e material (do RL 2) definidos em Julho de 2009, esta unidade deve aprontar 2 Esquadrões de Polícia do Exército que constituem o Grupo PE. O Regimento dispõe ainda de um Esquadrão de Comando e Serviços e um Estado-Maior. Para dar uma ideia do tipo de trabalho executado pelo Regimento damos a palavra ao comandante da unidade, Coronel Cavalaria Rui Cruz Silva, “…rondas e segurança de instalações militares; guardas extraordinárias; buscas cinotécnicas; escoltas a pessoal, altas entidades, presos e detidos, material e cargas especiais como armamento, munições, viaturas blindadas, sistemas de armas de artilharia e equipamentos pesados de engenharia; guardas de honra e alas de cortesia a altas entidades nacionais e estrangeiras e múltiplos serviços de carácter honorífico e fúnebre; missões de controlo de acessos, tráfego e parqueamento; levantamento de acidentes envolvendo viaturas militares…”.
Além destas missões habituais que são a “rotina” (por vezes tudo menos isso como se compreenderá!) do RL 2, outras solicitações surgem. Segundo Cruz Silva, no último ano, “…ministrámos internamente o 1º curso de protecção pessoal; o 2º curso cinotécnico; o 5º curso de controlo de tumultos – cm a presença de 2 militares da República de S. Tomé e Príncipe; 2 estágios de protecção pessoal e 2 de controlo de tumultos para o pessoal destinado ao Afeganistão (comandos) e Kosovo (pára-quedistas); ministramos em Cabo Verde o 1º curso de controlo de tumultos para as suas Forças Armadas e em Moçambique o 2º curso de formação especial de Policia Militar para as suas Forças Armadas e de Defesa.”
Olhando para o futuro
A Calçada da Ajuda em Lisboa, uma das antigas “ruas militares” da capital, vai em breve perder mais um quartel, o Regimento de Lanceiros N.º 2. As alienações de prédios militares superiormente estudadas assim o definiram e a unidade já prepara a transferência para a Amadora. Em breve mais um espaço de grandes dimensões ficará disponível em Lisboa para outras finalidades consideradas úteis ao país e/ou ao erário público. Estas mudanças nunca são fáceis mas são uma constante na vida dos militares e têm que ser levadas a cabo. Caberá aos Lanceiros fazê-lo nos próximos tempos e manter a unidade a funcionar.
Os tempos que correm são de paz interna com alguma insegurança, mas em vários locais do globo onde o poder político português entende que temos interesses, permanecem activas grandes convulsões. As capacidades da Polícia do Exército, tanto as novas como as tradicionais, estão adequadas à actualidade e quadros dos Lanceiros tem servido em missões exteriores do Iraque ao Afeganistão, dos Balcãs a África e Timor-Leste. Sabem o que fazer e como fazer.
Na Guerra Civil como na 1ª Guerra Mundial ou no último capítulo do ciclo colonial, português com lança e espada ou arma automática, a cavalo como a pé, com viaturas tácticas ou mesmo blindadas, designados lanceiros ou polícia militar, a história dos Lanceiros fala por si (ver abaixo). Como muitas outras unidades, teve os seus pontos altos e baixos, as suas glórias e frustrações, mas o emprego diversificado ao longo dos anos prova que tem sabido evoluir e adaptar-se às necessidades do Exército das Forças Armadas e de Portugal.
Resenha Histórica do Regimento de Lanceiros N.º 2
É com o eclodir da Guerra Civil no século XIX, que aparecem os Lanceiros em Portugal, através da criação do Regimento de Lanceiros da Rainha – Ordem do Dia de 07 de Fevereiro de 1833, no QG Imperial do Porto.
De início, esta Unidade foi essencialmente constituída por estrangeiros, sobretudo Ingleses, a soldo do Exército Liberal. Durante a Guerra Civil, o Regimento revelou uma conduta brilhante, participando nos combates de Valongo, Campanhã, São Mamede, Contomil, Leiria, Rilvas, São Brás, Ponte Pedrinha e Ribeira de Arade e nas Batalhas de Pernes, Almoster – onde a sua famosa carga decidiu o desenlace da batalha – e Asseiceira, merecendo vários elogios, de que se destacam os proferidos pelos Duques de Saldanha e da Terceira.
Após a vitória do Exército Liberal e com a reorganização do Exército de 1834, o Regimento viu a sua designação ser alterada para Regimento de Cavalaria N.º 2, embora tenha continuado a usar a lança como arma. Instalou-se definitivamente em Lisboa no Quartel onde ainda hoje se encontra e que até então fora ocupado pelo Regimento de Cavalaria N.º 2 Miguelista, extinto pela mesma reorganização.
Em Dezembro de 1835, com o objectivo de ajudar a causa liberal espanhola, dois Esquadrões do Regimento são integrados na Divisão Auxiliar a Espanha comandados pelo distinto e futuro Comandante do Regimento, D. Carlos de Mascarenhas, tendo brilhado mais uma vez nas operações de Val de La Casa, Arlabam, Peña Cerrada (Salvatierra), Zembrana, Concha e principalmente Armiñon.
Em 27 de Setembro de 1884, o Regimento foi extinto. – OE N.º 16 de Setembro de 1884. A 01 de Outubro de 1884, sendo recriado o Regimento de Cavalaria fazendo uso do mesmo N.º 2, armas e instalações – OE N.º 17 de 01 Outubro 1884.
Em 1888, D. Luís I ordenou que o Regimento passasse a designar-se por Regimento de Cavalaria N.º 2 do Príncipe D. Carlos, numa homenagem ao príncipe herdeiro, facto este que, com a subida daquele ao trono, levou a que dois anos mais tarde se alterasse de novo a designação para Regimento de Cavalaria N.º 2 – Lanceiros D’EL Rei.
O despertar colonial nos finais do século XIX e as ameaças às nossas colónias, obrigaram ao envio de forças do Regimento em expedições à Índia em 1896 e a Moçambique em 1901.
Com a implantação da República em 1910, apesar de ser então considerado o Regimento mais aristocrático do país e, de durante a Revolução se ter batido ao lado das forças Monárquicas, a Unidade não foi extinta, tendo apenas voltado à designação de Regimento de Cavalaria N.º 2 com a reforma do Exército de 1911.
O eclodir da I Guerra Mundial e a posterior entrada de Portugal no conflito, mobilizou um grupo de Esquadrões deste Regimento que viriam a integrar o Corpo Expedicionário enviado à Flandres. O Ministro da Guerra louvou a força ” pela forma correcta e reveladora do notável zelo com que se apresentaram”. A imposição das circunstâncias do Teatro de Operações, obrigou à renúncia do tradicional emprego como subunidades montadas, o que não impediu que na guerra de trincheiras os homens deste Regimento brilhassem uma vez mais.
Durante a década de quarenta, com a dotação de novos equipamentos motorizados, o Regimento evolui no sentido de se constituir como Unidade Blindada de Reconhecimento, equipando-se inicialmente com a Auto-Metralhadora Humber e já na década de cinquenta, com Carros de Combate ligeiros M5 “Stuart”.
Em 1948 o Regimento readquire o direito de ter na sua denominação oficial a menção da sua arma tradicional, passando a intitular-se Regimento de Lanceiros N.º 2.
Em 1953 foi criada a Polícia Militar tendo sido atribuída a sua missão ao Regimento cumulativamente com as tradicionais da Arma. Iniciou-se por essa altura a constituição de uma Companhia de Polícia Militar(a), serviço que se estende até aos nossos dias e que, gradualmente foi vinculando o Regimento à específica missão da Polícia Militar. Neste âmbito, durante as campanhas do Ultramar de 1961 a 1975, 67 Companhias de Polícia Militar a 54 Pelotões, num total de cerca de oito mil homens foram mobilizados para as diferentes Províncias Ultramarinas, muito contribuindo para os êxitos alcançados pelo Exército Português, prestando inegáveis e prestigiosos serviços que honraram as tradições do Regimento. Disso são testemunho os seus mortos e feridos em Campanha, as referências elogiosas, os vários louvores e a condecoração da CPM8247 com a Medalha de Ouro de Serviços Distintos com Palma.
Na sequência da revolução do 25 de Abril de 1974, o Regimento vive uma fase de instabilidade a que, tal como em outras ocasiões anteriores, não será alheia a sua localização geográfica, próximo dos centros de poder. A sua designação inclusivamente, volta a ser alterada em 01 de Abril de 1975 para Regimento de Polícia Militar.
O regresso à estabilidade a partir de 25 de Novembro de 1975, permitem que a 09 de Fevereiro de 1976 a especialidade de Polícia Militar se passe a designar por Polícia do Exército, com a consequente alteração do nome do Regimento (Despacho 49/REO do CEME) para Regimento de Lanceiros de Lisboa, tomando o nome da cidade onde está aquartelado há século e meio.
Finalmente, na reorganização do Exército de 1993, a sua designação regressa à forma numérica tradicional, voltando a ser o Regimento de Lanceiros N.º 2.
1833 – Regimento de Lanceiros da Rainha
1834 – Regimento de Cavalaria N.º 2
1844 – Regimento de Cavalaria N.º 2, Lanceiros da Rainha
1884 – Regimento de Cavalaria N.º 2
1888 – Regimento Nº2 de Cavalaria do Príncipe D. Carlos
1890 – Regimento de Cavalaria N.º 2, Lanceiros D’el-Rei
1910 – Regimento de Cavalaria N.º 2
1948 – Regimento de Lanceiros N.º 2
1975 – Regimento de Policia Militar
1976 – Regimento de Lanceiros de Lisboa
1993 – Regimento de Lanceiros N.º 2
Sobre esta temática leia mais no “Operacional”, clicando em:
AS FORÇAS ARMADAS E A SEGURANÇA INTERNA
CABO VERDE: A POLICIA MILITAR
REGIMENTO DE LANCEIROS
LANCEIRO – CADERNOS MILITARES 1
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