NOVA VIDA PARA ANTIGA CORVETA PORTUGUESA
Por Miguel Machado • 16 Dez , 2014 • Categoria: 07. TECNOLOGIA, 14.TURISMO MILITAR PrintMais um antigo Navio da República Portuguesa vai evitar a sucata. Está a ser adaptado a nova finalidade e dentro de meses permanecerá no fundo do Oceano, na Região Autónoma da Madeira, contribuindo para o turismo subaquático, como recife artificial. Depois de 40 anos ao serviço da Marinha de Guerra o NRP “General Pereira d’Eça” é agora preparado para a sua derradeira missão: servir o país contribuindo para um importante nicho da actividade turística e ao mesmo tempo permitir um desenvolvimento da fauna e flora subaquática.
O NRP “Pereira d’Eça” foi uma das seis corvetas da classe “João Coutinho”, tendo sido construída nos estaleiros «Blohm & Voss» (Alemanha) e aumentada ao efectivo dos navios da Armada em 10 de Outubro de 1970. Três outros navios desta classe foram construídos na «Empresa Nacional Bazán» (Espanha), segundo um projecto português, da autoria do Engenheiro Construtor Naval Rogério Silva Duarte Geral D’Oliveira. Destes seis navios dois ainda se encontram ao serviço, estando um a navegar, o NRP “Jacinto Cândido” e em grandes reparações para voltar ao mar o NRP “António Enes”. A “João Coutinho” que deu nome à classe terminou este ano o serviço activo na Marinha, o que já antes tinha acontecido também com o NRP “Augusto Castilho” e o NRP “Honório Barreto”. O NRP “Pereira d’Eça” passou ao estado de desarmamento em 25 de Junho de 2010 e iniciou o seu processo de abate ao efectivo dos navios de guerra, tendo-se esta última situação verificado em 2 de Julho de 2014.
Estavam criadas as condições para a sua alienação, o que veio a acontecer, tendo como beneficiária a Região Autónoma da Madeira, através de projecto – de interesse público, nas áreas do turismo subaquático, da cultura e preservação histórica, da proteção da vida marinha e da economia – apresentado pela Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais. Um programa comunitário, o PROMAR (Madeira), aceitou a candidatura deste projecto e ele está já em marcha. O “Operacional” visitou a corveta nas instalações da Lisnave em Cacilhas e assistiu ao trabalho de avaliação que está agora a decorrer.
Tendo em conta a finalidade do projecto da Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Governo Regional da Madeira – constituir um recife artificial e um local privilegiado para a proliferação e observação da vida marinha e simultaneamente um museu subaquático e polo de atração turística na área do mergulho amador – torna-se necessário seguir determinadas regras, como nos refere Alberto Braz, um veterano do projecto “Ocean Revival” nomeadamente, “limpar o navio de todos os materiais nocivos ao ambiente ou perigosos para os mergulhadores, nos termos da Convenção para a Protecção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste”(*). Tudo o que são cabos eléctricos de vários materiais, óleos, massas, amianto, e toda a espécie de artigos poluentes terão que ser retirados, separados e enviados para reciclagem. Mas não só, como mergulhador que é, Alberto Braz enquanto nos acompanha pelo interior do navio, faz questão de frisar que “coloco-me no lugar que quem vai andar aqui a mergulhar, com equipamento de mergulho autónomo e vou assinalando os obstáculos que devem ser retirados, não queremos transformar alguns compartimentos do navio em armadilhas”. Na realidade o navio está ainda “muito completo” e são inúmeros os componentes, de todos os tamanhos e feitios que têm que ser retirados.
Aqui é interessante constatar que este tipo de trabalho – que vai ser sujeito a concurso público, para o qual Alberto Braz ajuda a elaborar o caderno de encargos – prevê-se que dure no mínimo uns 3 meses e possa ocupar até 20 pessoas. Ou seja, o dobro do tempo e do pessoal que seria necessário se o objectivo fosse apenas o de transformar o navio em sucata!
O navio tem 85 metros de comprimento, “grosso modo” 4 a 5 pisos, e mais de uma centena de compartimentos que é necessário inspeccionar em detalhe – a maioria de lanterna em punho porque naturalmente o navio não tem energia – e definir, também, as aberturas que são necessárias fazer para permitir a circulação em segurança dos mergulhadores. “Cada compartimento, nesta nova vida da corveta, não pode ter só uma entrada, tem que ter pelo menos duas saídas, não queremos arriscar que um mergulhador entre e por qualquer motivo, fique bloqueado”, diz-nos Alberto Braz.
Outro aspecto que também já começa a ser avaliado é a localização e quantidade lastro que será necessário colocar no seu interior para compensar as toneladas de material que vão sai. O navio tem que ficar estável e um número assim por alto, aponta para umas 500 toneladas de betão que irão entrar e substituir tudo o que sai, permitindo manter o seu centro de gravidade.
Quando o navio estiver afundado, o previsto é ficar assente no fundo a cerca de 30m de profundidade de modo a estar acessível aos adeptos do mergulho desportivo, e a entrada no novo recife artificial terá algumas regras. É suposto que só os mergulhadores mais experientes possam percorrer todo o navio, mesmo os compartimentos mais profundos e interiores e os menos experientes, os principiantes, os patamares mais elevados e com melhores acessos. A intenção é que todos possam mergulhar e ver o navio – por isso fica a esta cota que também evita problemas com as embarcações à superfície – mas cada um de acordo com a sua aptidão e experiência.
O trabalho ainda está no seu início mas fica-nos a convicção que realmente aqui está um bom aproveitamento deste tipo de equipamento. Uma finalidade útil e interessante e não um destino inglório e pouco produtivo como a sucata. Mas também é verdade, talvez por termos visitado a corveta ainda num estado muito próximo do seu tempo de serviço operacional, que é impossível não desejar que seja possível salvar um destes navio para fins museológicos à superfície. É uma prática corrente em muitos países, e em Portugal ainda não há um único navio de guerra do século XX nesta situação. Apenas o Barracuda parece estar próximo disto, em Cacilhas, junto à S. Fernando e Glória, mas ainda assim algo emperra o processo.
Seja como for, o antigo NRP “General Pereira d’Eça” está prestes a navegar para o Arquipélago da Madeira na sua última viagem e só podemos desejar que outras entidades públicas ou privadas – como foi o caso do projecto “Ocean Revival” – queiram e possam dar uma finalidade útil a estes navios que serviram Portugal quer na paz quer na guerra.
(*) Convenção OSPAR, é um mecanismo legal, através do qual 15 Estados e a Comunidade Europeia cooperam para proteger o ambiente marinho do Atlântico Nordeste. As partes contratantes da Convenção, tem por obrigação tomar “todas as medidas possíveis para prevenir e combater a poluição, bem como as medidas necessárias à protecção da zona marítima contra os efeitos prejudiciais das actividades humanas de modo a salvaguardar a saúde do homem e a preservar os ecossistemas marinhos e, quando possível, a restabelecer as zonas marítimas que sofreram esses efeitos prejudiciais”.
Sobre esta classe de navios pode saber mais em: Classe João Coutinho no Barco à Vista
Sobre o NRP “General Pereira d’Eça” leia um interessante, bem ilustrado e esclarecedor artigo sobre a actividade do navio e da sua guarnição, aqui: F477 no GURUPEZ
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