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KOSOVO: AS OPERAÇÕES DE CERCO E BUSCA

Por • 1 Mar , 2010 • Categoria: 04 . PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XXI, EM DESTAQUE Print Print

Com este artigo que hoje publicamos, mais um vindo de quem tem experiência nas missões expedicionárias que o Exército Português cumpre, o “Operacional” recebe um novo colaborador: Miguel Freire, 41 anos de idade, 24 de serviço, Tenente-Coronel de Cavalaria. Da sua carreira militar, na qual naturalmente tem servido em diversas funções e locais,  destacamos apenas duas. As de Comandante do Esquadrão de Reconhecimento da então Brigada Mecanizada Independente, que cumpriu uma missão no Kosovo de Ago2000 a Mai2001, e a de Military Assistant do COMISAF Spokesperson e Staff Officer Plans do Information Coordination Branch no QG da ISAF, em Cabul (Afeganistão) de Fev-Jul2008. Presentemente é o Oficial de Operações da Brigada Mecanizada em Santa Margarida. O “Operacional” sente-se muito honrado com a esta colaboração, juntando-se assim a outras revistas dedicadas a temas de defesa e militares nas quais a qualidade dos artigos e o entusiasmo pelo debate sobre matérias militares de Miguel Freire são bem conhecidos. Actual Director da Revista da Cavalaria e co-autor do livro “Estratégia Lusitana” é natural de Aveiro, casado e pai de três filhos.

A M11, aqui na versão com torre 12.7mm, foi (e continua a ser) intensamente usada no teatro de operações do Kosovo pelas forças portuguesas

A M11, aqui na versão com torre 12.7mm, foi (e continua a ser) intensamente usada no teatro de operações do Kosovo pelas forças portuguesas

TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS NO KOSOVO: AS OPERAÇÕES DE CERCO E BUSCA

Introdução
O artigo aqui apresentado foi inicialmente publicado no “Jornal do Exército “Nº 501, de Novembro de 2001 e constituiu um de quatro artigos decorrentes da experiência do Comando de um Esquadrão de Reconhecimento, no caso em apreço o ERec/Agrupamento Delta/Brigada Mecanizada/Kosovo Force, no Teatro de Operações do Kosovo, entre Agosto de 2000 a Abril de 2001 (1). O artigo tem quase cerca de uma década, mas mesmo assim, julga-se que poderá continuar a ter algum interesse pois reflecte um procedimento técnico e táctico de um tipo de tarefa muito comum em Teatros de Operações de Estabilização onde a população, mesmo aparentemente cooperante com as forças militares estrangeiras, procura sempre subverter a ordem que se tenta (r)estabelecer, principalmente pelo uso e porte de armas, que acabam por estar associadas a actividades ilícitas como seja o crime violento, extorsão, tráfico de armas, etc.
O Exército Português começou a participar com unidades militares em operações de estabilização em meados da década de noventa no continente africano, mas foi com a participação na Bósnia, a partir de 1996, que o fez com unidades de combate.
Pessoalmente, sempre fui muito crítico aos quadros (oficiais e sargentos) destas primeira unidades que ao regressarem se limitavam a “conversas de messe” sobre o que se fazia e como se faziam as tarefas naqueles teatros de operações. Entristecia-me, com respeito pelas poucas excepções, que nunca houvesse uma postura de partilha profissional em relação a procedimentos técnicos e tácticos com vista a aprender e melhorar esses procedimentos, bem como divulgá-los junto de outras unidades do Exército. Em todas as unidades projectadas tudo parecia correr bem e o que, eventualmente, corria mal era para se “esconder”, mesmo antes de se analisar. Infelizmente ainda não evoluímos muito e continuamos mais ou menos na mesma. Na altura escrevi os quatros artigos para tranquilizar a minha consciência e não me sentir mais um que vinha “cheio de experiência” e nada partilhava. Os artigos acabaram por ser publicados poucos meses depois de ter regressado e enquanto frequentava, com os outros capitães oriundos do meu curso da Academia Militar, o Curso de Promoção a Oficial Superior, no então Instituto de Altos Estudos Militares. Num curso de quase uma centena de capitães, em que metade tinha comandado unidades de escalão companhia ou desempenhado funções de estado-maior em teatros de operações tão diferentes como a Bósnia, o Kosovo e Timor, os artigos não despertaram qualquer comentário nem fomentaram qualquer discussão em torno de eventuais semelhanças ou diferenças de procedimentos praticados noutros Teatros de Operações. Já no fim do curso, e por iniciativa própria de alguns capitães, ensaiámos umas reuniões entre os capitães onde partilhávamos experiências. Mas a iniciativa também não foi muito produtiva. Um exército que não olha de frente e de forma transparente aos erros cometidos e que se esconde atrás da preocupação de não ferir susceptibilidades ou não pôr em causa terceiros é um exército sem vontade de aprender verdadeiramente. O mesmo se passa com as boas práticas! Sem partilha de boas práticas não há evolução.
A vontade de voltar a publicar um destes artigos, escrevendo-lhe esta nota introdutória, advém do enorme potencial que o Operacional tem como ferramenta informal para, num universo verdadeiramente de armas combinadas, conjunto, combinado e inter-agências, partilhar “saber de experiência feita”. No fundo, contribuir para, entre profissionais de armas, ficarmo-nos a conhecer melhor, para melhor servir. Voltar a publicar este artigo aqui no Operacional é, também, um tributo à equipa do Operacional que nos tem proporcionado este site de extrema qualidade gráfica e de conteúdos.

"Porta-de-Armas2 do quartel português de Klina, onde se encontrava a força portuguesa entre 1999 e 2001

"Porta-de-Armas" do quartel português de Klina, onde se encontrava a força portuguesa entre 1999 e 2001

Operações de Cerco e Busca

As operações de cerco e busca constituíam um dos pontos altos do dia-a-dia das subunidades, pois quebravam a monotonia e, dada a sua natureza, assemelhavam-se às “operações militares” a que estamos habituados. Constituía uma das poucas ocasiões em que o Esquadrão operava como um todo, puro ou como subagrupamento, e que também os pelotões, operavam como um todo.
Da doutrina existente aplicável a estas operações usámos como referências principais as seguintes:
O Exército Português na guerra subversiva. Volume II Operações contra bandos armados e guerrilhas. 1963.
Army Field Manual Volume V – Operations Other Than War – Counter Insurgency Operations. (Exército Britânico);
Part 3 – The Tactics of Counter Insurgency Operations;
Part 4 – The Techniques and Procedures of Counter Insurgency Operations (1995).

NATO Peace Support Operations. Tactics, Techniques and Procedures. MAS Study Number 2496 (Abril 2000).

O "Delta" operou integado numa brigada multinacional

O "Delta" operou integado numa brigada multinacional

Enquadramento
Embora tranquila, a situação no Kosovo em 2000-2001 estava longe de pacificada e resolvida. A guerra tinha sido há pouco mais de um ano e o uso de armas para autodefesa, assaltos, acções de intimidação ou para simples comemoração de actividades sociais, como casamentos, ou simplesmente a comemoração do fim de uma doença, fazia com que existissem muitas armas em todo o Kosovo. A Área de Responsabilidade do Agrupamento DELTA não era excepção. As operações de cerco e busca podiam ser planeadas ou inopinadas.

Operações inopinadas
As operações inopinadas eram dum modo geral realizadas por uma força de escalão igual ou inferior a pelotão e resultavam da observação dum comportamento suspeito ou duma informação veiculada por uma fonte credível. Qualquer patrulha ou elemento do comando do esquadrão ou do agrupamento que observasse um comportamento estranho informava, e o comando do agrupamento, depois de confrontar a informação recebida com a que disponha de outras fontes relativa a esse local ou indivíduo, autorizava ou não, a realização da operação. O comandante de patrulha, na ausência de ligação rádio com o escalão superior podia também avançar para a operação. Por exemplo, era um procedimento rotineiro avançar para uma operação de cerco e busca sempre que era apreendido, num check-point, uma arma ou munições a alguma pessoa que vivesse dentro da nossa Área de Responsabilidade, independentemente da hora. Nas operações inopinadas e para manter o ímpeto e a surpresa, a força era constituída por patrulhas que já estavam no exterior em missão, reforçadas ou não, por uma patrulha que estivesse no aquartelamento a descansar. Por esta razão as operações inopinadas eram, muitas vezes, conduzidas por uma força mista de patrulhas de diversos pelotões. Se a descoberta do indício fosse exterior a uma patrulha do esquadrão, a força era constituída pelas patrulhas no exterior e mais próximas do local. O comandante desta força, o mais antigo dos comandantes de patrulha, recebia via rádio a ordem que tinha obrigatoriamente a seguinte informação:
– localização da casa suspeita
– indicio que deu origem à operação
– constituição e localização das patrulhas que iriam participar na operação.
O Comandante da patrulha por via rádio, ou em local combinado antes do objectivo, dava as ordens necessárias.

Operações planeadas
As operações planeadas obedeciam sempre a uma Ordem de Operações do Agrupamento. Para evitar fugas de informação (o que era uma realidade) as ordens eram dadas por volta das 21h30 da noite que antecedia a operação. Isto restringia muito o tempo de planeamento e as ordens eram dadas aos pelotões por volta da meia-noite o que fazia com que o comandante de pelotão transmitisse a ordem por volta da 01h30m. Para alterar esta situação o comando do esquadrão, e só ele, passou a receber a ordem durante a manhã e assim a ordem era transmitida aos pelotões por volta das 22h30 (mantendo-se a preocupação de evitar a fuga de informação) para que o comandante de pelotão pudesse dar a ordem mais cedo aos seus homens.
Sempre que havia tempo a ordem de operações do esquadrão era escrita, acompanhada dum croqui da área objectivo e entregue aos comandantes de pelotão. Sempre que possível e, sem dar azo a comportamentos suspeitos, tentava conciliar-se os patrulhamentos para que se pudesse dar uma ultima vista de olhos na área do objectivo. Sempre que havia tempo o Posto de Comando (PC) elaborava um croqui gigante da área do objectivo fazendo uso de fotografias digitais e das informações transmitidas pelo Sargento de Informações do Agrupamento (fotografia 1).

fotografia-1

Fotografia 1

figura-1

Figura 1

Comando
Nas primeiras operações era constituído um PC em viatura táctica ligeira ou Viatura Blindada Posto de Comando guarnecido por condutor, Oficial Adjunto, Sargento de Operações e Sargento de Transmissões. O PC tinha por objectivo manter o escalão informado do evoluir da situação, coordenar as operações da unidade de cerco exterior bem como das unidades de cerco e busca. Constatámos ao longo das primeiras operações que a existência do PC não se justificava. O escalão superior (o comando do Agrupamento) encontrava-se sempre no objectivo com as unidades, por isso era desnecessário a ligação rádio a esse. O trabalho da unidade de cerco exterior bem como as de cerco e busca não exigiam também essa monitorização. Para além dos recursos humanos empenhados no PC serem necessários para reforçar as outras equipas, pois com o evoluir do tempo os objectivos passaram a ser maiores. O Comando e Controlo da operação limitava-se ao Comandante de Esquadrão que, equipado com um P/PRC-501, se mantinha em ligação com os comandantes dos pelotões empenhados, também eles equipados com o mesmo meio rádio. A ligação ao escalão superior era feito pessoalmente “in loco” ou usando a viatura táctica ligeira como relé.
Estas operações eram o lado “cruel” da KFor (embora compreendido pela maior parte da população). Com o objectivo de manter as populações do nosso lado e não permitir interpretações erradas, havia a preocupação de atenuar este cariz daí que era empenhada uma célula do Comando do esquadrão (geralmente o Sargento Adjunto do Comando do esquadrão ou o Sargento Auxiliar) que distribuía alguma ajuda humanitária, essencialmente às crianças que eram quem acusava mais “traumatismos”. Inicialmente este procedimento era feito com o próprio pessoal do cerco e busca, mas concluímos que isso desviava a atenção de quem tinha tarefas de segurança.

Unidade de cerco exterior
Tratava-se duma força de escalão igual ou inferior a pelotão, cuja dimensão dependia muito do numero de itinerários de acesso ao objectivo. A tarefa era controlar estes acessos com a finalidade de impedir entradas e saídas de pessoas e viaturas da área do objectivo, ou, à ordem, “checar” todas as viaturas e pessoas que pretendessem sair da área do objectivo. A localização do cerco exterior dependia obviamente do terreno mas podemos arriscar um valor de 500 a 800 metros (ou menos) para a distância do cerco exterior. O cerco exterior era montado praticamente em simultâneo com o entrar das unidades de cerco e busca. As viaturas deste pelotão posicionavam-se primeiro nos itinerários ou flancos do objectivo que não eram utilizados como “porta” de entrada pelas unidades de cerco e busca, e nos itinerários de entrada eram a cauda da coluna que fechava a “porta” (fotografia 2). A unidade de cerco era constituída “por escala” entre os pelotões pois tentou dividir-se equitativamente a experiência e, esta missão, era aquela que dado o seu aspecto aparentemente secundário era menos preferida entre a tropa. No entanto reconhecemos que a unidade indicada para o cerco exterior seria o Pelotão de Morteiros, equipado com viaturas do tipo Chaimite, viaturas mais pesadas, menos ágeis e mais ruidosas, e os Pelotões de Reconhecimento, equipados com Viatura Blindada Ligeira M11, vocacionados para o cerco e busca, já que estas viaturas provaram ser bastantes ágeis nos itinerários de acesso e dentro das áreas urbanas do tipo “condomínio fechado” tão típico nesta região. Para além disto, as viaturas M11 são extremamente silenciosas, uma qualidade invejável quando se entra às 05h45m da manhã. Quando o numero de casas assim o exigia, todos os pelotões eram empenhados como unidades de cerco e busca e a unidade de cerco exterior era constituída à base da Secção de Comando e da Secção de Manutenção.
Quando a área de Objectivo era demasiado extensa ou as áreas objectivo de pelotão eram relativamente longe uma das outras (mais do que 200mts), os pelotões que constituíam as unidades de Cerco e Busca podiam receber também a tarefa de vigiar parte exterior do seu objectivo de forma a completar o cerco (e vigilância) em 360º à volta da área do objectivo do esquadrão.

fotografia-2

Fotografia 2

Fotografia 2a

Fotografia 2a

Unidades de Cerco e Busca
Tratava-se duma ou mais forças de escalão igual ou inferior a pelotão, cuja dimensão dependia do número de casas a revistar dentro do objectivo. Por norma uma casa (térrea ou até três pisos) era atribuída a uma patrulha (2 viaturas a 6 ou 8 homens) (fotografia 2a). Um pelotão tinha meios para revistar, em segurança, um objectivo com três casas e área circundante. Tal como foi dito anteriormente os Pelotões de Reconhecimento seriam, pelos meios que possuíam, os mais vocacionados para esta missão, no entanto, todos os pelotões o desempenharam convenientemente. Uma lição aprendida foi que, quanto aos meios orgânicos, levava-se só o estritamente necessário. Assim passaram a ver-se os pelotões-tarefa, ou seja, as viaturas blindadas reduzidas ao mínimo para o cerco interior (2 a 3 viaturas) e o resto dos militares em viaturas administrativas do tipo “Iveco 40.10” ou toyota ¼ ton. Quando o Esquadrão recebia um Pelotão de Atiradores Mecanizado da Companhia de Atiradores havia a preocupação de deixar as Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal M113 no estacionamento e levar o pelotão só em Viaturas tácticas IVECO 40.10 e Toyotas. Houve mesmo algumas operações em que se optou pelo transporte dum pelotão quase completo em viaturas do tipo IVECO 90.17. Os pelotões de Atiradores Mecanizados, quando atribuídos ao Esquadrão de Reconhecimento, eram empenhados na missão de cerco e busca.

Reserva
Tratava-se duma força de escalão igual ou inferior a secção (duas viaturas). As suas tarefas eram, à ordem reforçar qualquer ponto do cerco exterior, reforçar uma unidade de cerco e busca cujo objectivo afinal tinha mais casas que o reconhecido. Algumas vezes foi também usado para esclarecer situações no exterior da própria área do objectivo (como foi o caso de disparos ouvidos fora da área do objectivo enquanto decorria uma operação). Por vezes quando os objectivos eram grandes e os meios humanos escaciavam a reserva era limitada a uma viatura do tipo M11 com três homens (fotografia 3).

Fotografia 3

Fotografia 3

Fotografia 4

Fotografia 4

Equipa EOD
O Esquadrão quando realizava operações de cerco e busca recebia a equipa EOD do Exército Italiano atribuída ao Agrupamento Delta. A equipa era constituída por dois sargento italianos e uma praça portuguesa. Deslocavam-se numa viatura táctica ¼ ton Toyota. No Esquadrão de Reconhecimento a equipa EOD era empregue pela seguinte ordem de prioridades:
– Se havia informação da existência de antigas posições de combate do Exército Jugoslávo ou do próprio UÇK, a equipa concentrava-se nessa área com vista a detectar eventuais UXOs ou material de guerra abandonado (exemplo granadas de mão) (fotografia 4);
– No caso da inexistência de posições sérvias ou do UÇK, a equipa EOD era empregue também na tarefa de procura de armamento ou material ilegal prioritariamente em casas destruídas e não habitadas (a experiência provou que era um esconderijo excelente). Dada a sensibilidade e formação técnica deste pessoal, este procedimento mostrou-se uma mais valia. Inclusivamente, numa operação e com pessoal EOD da equipa do TACP Português (pertencente à Força Aérea portuguesa), foi encontrada, por estes, na área circundante duma casa, uma AK-47 enterrada bem mantida e municiada, para além dum cunhete de munições num outro local afastado da arma cerca de 100 metros.
Na prática, a equipa EOD trabalhava numa base de “free-lancer” na procura de material ilegal, mas à ordem revertia para tarefas específicas.

Secção Sanitária
A acompanhar o esquadrão seguia sempre uma ambulância com um sargento enfermeiro e um condutor-socorrista. Geralmente ficava junto à reserva e no interior da área objectivo.

Grau de risco
As populações aceitavam bem este tipo de operações. Embora cooperantes, esforçavam-se obviamente em ocultar e enganar deliberadamente a KFOR, havendo também muitas ocasiões em que armas eram entregues de livre e expontânea vontade logo após a pergunta se existiam ou não armas. Das muitas operações de cerco e busca realizadas, foram poucas as situações que envolveram “risco” elevado. Numa operação houve um jovem que “mal” acordado, não acatou prontamente as nossas ordens, desafiando-nos deliberadamente. Com o uso proporcional da força física a situação foi rapidamente resolvida. Numa outra ocasião, numa operação a uma casa (duma família com dirigentes políticos de Klina e da estrutura máxima do TMK (2)) um indivíduo do TMK, armado, furou o cerco exterior sem que houvesse tempo de ser impedido. E como se tratava duma só casa entrou imediatamente na zona da casa. Com alguma relutância entregou a arma e o respectivo cartão para identificação. Quando os proprietários das casas tinham armas legais na sua posse (armas de caça ou defesa pessoal) estas ficavam na nossa posse enquanto decorria a operação.

Fotografia 5

Fotografia 5

Fotografia 6

Fotografia 6

Fotografia 7

Fotografia 7

Lições aprendidas
1) Verificou-se que armas de pequeno porte como pistolas e/ou revólveres são escondidas por mulheres novas ou de idade avançada. Na fotografia 5 pode observar-se um militar a “negociar” a entrega da arma que se encontrava escondida entre as pernas da senhora de idade.
2) Existência nas paredes de buracos com dimensões correctas para guardar armamento ocultados por tapetes ou quadros (fotografia 6), ou inclusivamente, rebocado parecendo uma parede normal (fotografia 7).
3) As casas parcial ou totalmente destruídas e desabitadas constituíam excelentes locais para guardar material de guerra. A população do KOSOVO aprendeu que a KFOR revistava, de forma aleatória, as casas habitadas. Armamento e munições destinadas à defesa imediata das casas ou mesmo com destino ao tráfico eram escondidas em locais insuspeitos como casas destruídas e desabitadas.
4) A organização da unidade para abordagem do objectivo era feita em coluna de forma que a unidade pudesse irradiar e cada equipa ocupar o seu lugar de acordo com a missão. Quando o acesso a um ponto do cerco exterior só era possível através do objectivo, a viatura da unidade de cerco exterior responsável por esse ponto, posicionava-se dentro da coluna, de forma que quando irradiasse garantia a ocupação do ponto em simultâneo com a abordagem do objectivo. Com este procedimento evitava-se movimentos e por consequência ruído no objectivo antes da sua abordagem (figuras 2a e 2b).

Figura 2a

Figura 2a

Figura 2b

Figura 2b

5) Quando o esquadrão conduzia operações de cerco e busca em conjunto com outras forças, como foi o caso da Guardia Civil Espanhola ou dos Carabineri italianos, por uma questão de comando e controlo, não havia misturas de nacionalidades abaixo do escalão pelotão. Assim, cada força ocupava-se do seu próprio objectivo. Por exemplo, o esquadrão garantia o cerco exterior e um pelotão para cerco e busca dum objectivo, enquanto a outra força (espanhola ou italiana) tinha outro objectivo – que podia ser uma casa dentro do objectivo do nosso pelotão, ou um outro conjunto de casas à parte.
6) O numero elevado de armas que o Agrupamento DELTA apreendeu foi por diversas vezes reconhecido pelo Comando da Brigada Multinacional – Oeste. Quando comparado com outras unidades da Brigada com efectivos muito mais generosos que os nossos, podíamos ser levados a pensar possuirmos um nível de planeamento e de execução técnica superior aos nossos camaradas Italianos e Espanhóis. Sem querer menosprezar a capacidade de planeamento do nosso Agrupamento (que materializou excepcionalmente a intenção do Comandante) e a capacidade de execução dos baixos escalões, considera se que o sucesso residiu não nestes dois pilares mas sim na iniciativa do Agrupamento transportada para os baixos escalões. Do relacionamento que tivemos com forças Espanholas, Italianas e Francesas constatámos que os baixos escalões são tecnicamente tão (ou mais) competentes que nós, e que o nível de informação disponível e a capacidade de planeamento das outras Task Force eram iguais aos nossos. A diferença principal residia no processo de tomada de decisão (ou melhor, no processo de autorização). Enquanto no nosso caso essa decisão (autorização) podia estar – na ausência de ligação rádio – no próprio Sargento Comandante de Patrulha, no caso dos outros países estava dependente duma estrutura pesadíssima que envolvia sempre a estrutura dos Carabineri, para os Italianos, a Guardia Civil, para os Espanhóis e a Gendarmerie, para os Franceses.
Existem dois casos excepcionais que materializaram esta nossa postura. Uma patrulha num patrulhamento nocturno de rotina numa povoação no limite da nossa Área de Responsabilidade e sem ligação rádio com o Posto de Comando, após ter ouvido uma rajada, desenvolveu de forma a esclarecer a situação que lhe permitiu identificar uma casa suspeita, que acabou por revistar e onde apreendeu, entre outro equipamento, uma AK-47 e duas granadas de mão. Numa outra ocasião, num patrulhamento nocturno duma pequena povoação, uma patrulha informou o Posto de Comando da existência de actividades estranhas não identificadas numa casa, as quais iria averiguar. Passaram cerca de 45 minutos até que o Comandante da Patrulha informou a detenção de dois indivíduos armados com uma caçadeira e uma AK-47, pedindo autorização para avançar para mais duas casas suspeitas. O Comandante da Patrulha, para manter o ímpeto e a surpresa, optou por levar até ao fim o esclarecimento da situação sem o interromper para informar o Posto de Comando. Não houve problema, o Comandante da Patrulha sabia bem a intenção do seu Comandante de Agrupamento nestas situações.

Símbolo do Agrupamento DELTA/BMI/KFOR, "...a espada antiga, simboliza a capacidade do emprego da força e simultaneamente da justeza e a imparcialidade na conduta..."

Símbolo do Agrupamento DELTA/BMI/KFOR, "...a espada antiga, simboliza a capacidade do emprego da força e simultaneamente da justeza e a imparcialidade na conduta..."

(1)- “Técnicas e Procedimentos Operacionais no Kosovo (I)”, Jornal do Exército, n.499, Agosto-Setembro de 2001, pg 18-23.
– “Técnicas e Procedimentos Operacionais no Kosovo (II)”, Jornal do Exército, n.500, Outubro de 2001, pg 14-20.
– “Técnicas e Procedimentos Operacionais no Kosovo (III)”, Jornal do Exército, n.501, Novembro de 2001, pg 52-58.
– “Técnicas e Procedimentos Operacionais no Kosovo (IV)”, Jornal do Exército, n.503, Janeiro de 2002, pg 18-23.

(2) Corpo de Protecção Civil do Kosovo constituído por ex-guerrilheiros do UÇK.

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KOSOVO: A ÚLTIMA MISSÃO DA CHAIMITE

O EXÉRCITO PORTUGUÊS NOS CAMINHOS DA PAZ 1989-2005

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