IDENTIDADE E IMAGEM, O CASO DA GNR
Por Miguel Machado • 1 Jul , 2015 • Categoria: 02. OPINIÃO PrintEmbora as questões da identidade e da imagem sejam usualmente tratadas no âmbito da sociologia, da ciência politica, do marketing ou da publicidade, a verdade é que quer a identidade, quer a imagem, gozam de tutela jurídica e até constitucional, o que só por si é demonstrativo da sua importância. Neste artigo o Coronel Manuel Gervásio Branco, aborda esta problemática aplicada ao “caso da GNR”.
Nos termos do nº 1 do artigo 26º da Constituição da Republica Portuguesa, “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”.
Também no que tange ao direito ao nome (identidade), o Código Civil no seu artigo 72º do Código Civil prescreve:
“1. Toda a pessoa tem direito a usar o seu nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins.
2. O titular do nome não pode, todavia, especialmente no exercício de uma actividade profissional, usá-lo de modo a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal decretará as providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesses em conflito.”
Igualmente, o direito à imagem encontra consagração na nossa lei civil, através do disposto no artigo 79º, do Código Civil:
“1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nela indicada.
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.”
Mas não é só relativamente às pessoas singulares que estes direitos têm garantias legais, também no que respeita às pessoas colectivas, a identidade e a imagem, são elementos fundamentais para o seu reconhecimento.
Assim, o âmbito do Código das Sociedades Comerciais, dispõe no seu artigo 10º, “quando a firma da sociedade for constituída exclusivamente por nomes ou firmas de todos, algum ou alguns sócios deve ser completamente distinta das que já se acharem registadas”, acrescentando o número seguinte que “A firma da sociedade constituída por denominação particular ou por denominação e nome ou firma de sócio não pode ser idêntica à firma registada de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro.”
A identidade pode ser definida como aquilo que identifica cada pessoa como indivíduo, singular e irremovível e o nome, constitui o elemento essencial indicativo da mesma. Da identidade igualmente fazem parte um conjunto de traços, elementos e características da pessoa ou da entidade, que a individualizam e descrevem e a distinguem de outra ou outras, tornando-a inconfundível e única.
A identidade, não existe isoladamente, faz-se sempre em relação ao outro ou aos outros, sobretudo àqueles que lhe estão mais próximos ou que lhe são mais semelhantes, porque é relativamente a estes que importa enfatizar as diferenças.
A imagem por seu lado, representa a forma como o mundo exterior vê e perceciona aquela pessoa ou entidade. Esta pode depender do aspecto físico, de uma valoração estética, da sua apresentação, em suma, da ideia que o outro faz dela.
Se relativamente às pessoas singulares este pode ser o conceito de imagem, quanto às pessoas colectivas, ele não difere muito, apenas haverá que adaptar aqueles elementos a uma outra realidade. Nestas, para além do nome, do símbolo, do logotipo e das cores, a sua identificação faz-se através de uma “marca” que embora possa sofrer ligeiras alterações ou adaptações, mantém a necessária longevidade que lhe dá coerência e permite um mais fácil reconhecimento externo, tornando-as distintas e inconfundíveis com outras.
Nos termos dos artigos 74º e 79º do Código da Propriedade Industrial, as marcas têm a função de “distinguir os produtos da actividade económica” e ainda que “a marca pode ser constituída por um sinal, um conjunto de sinais nominativos, figurativos ou emblemáticos, que, aplicados por qualquer forma num produto ou no seu invólucro o fazem distinguir de outros idênticos ou semelhantes”.
Um bom exemplo da utilização da imagem para o reconhecimento de uma marca, é o que se passa com as grandes multinacionais como a “COCA-COLA”, a “SHELL” ou a “NESTLÉ”, para só citar algumas, onde independentemente do lugar ou do país em que exercem a sua actividade, mantém os mesmos símbolos, cores e logotipos, o que as tornam inconfundíveis em qualquer lugar e universalmente reconhecidas.
Mas não são só as multinacionais que bem utilizam a imagem para melhor serem reconhecidas e identificadas, também as empresas e “holdings” nacionais o fazem com grande eficácia, onde todas as suas associadas utilizam a mesma cor e logotipo, independentemente do ramo de actividade a que se dedicam, permitindo que através da mesma simbologia, se identifiquem todas as empresas com o grupo, o que transmite coesão, força e a ideia de uma identidade única.
Se uma pessoa individualmente considerada, é única e não gosta de ser confundida com outra, sobretudo com as que apresente mais semelhanças, o mesmo sucede com as pessoas colectivas, sejam elas sociedades, associações, organizações ou instituições.
E de entre estas, as instituições, devido ao seu próprio estatuto, são aquelas onde a identidade assume uma maior relevância.
Nas Instituições, para além do nome, os princípios, os valores, a cultura organizacional, as práticas e rituais e sobretudo a história, representam um conjunto de elementos suficientemente fortes para as caracterizar e tornar inconfundíveis com outras, mesmo que similares ou parecidas.
A Guarda Nacional Republicana (GNR), encontra-se entre estas.
Se não se colocam dúvidas acerca do nome, dos princípios, da cultura organizacional, das práticas e rituais e da própria história da GNR, para que a Guarda seja reconhecida e identificada como uma Instituição singular e única, já quanto à sua imagem externa, simbolizada pelas cores, logotipo, símbolos e “marca”, o mesmo não se pode dizer.
À semelhança do que ocorre em toda a Instituição Militar, a simbologia, assume na GNR, uma especial relevância pelo que está sistematizada num único diploma, o Regulamento de Heráldica e Simbologia da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Portaria nº 1194/2009, de 8 de Outubro.
“As armas representativas da Guarda têm o seguinte ordenamento: escudo de verde, uma espada antiga de ouro sustida por dois dragões afrontados do mesmo, animados, lampassados e armados de vermelho; elmo militar, de prata, colocado a três quartos para a dextra, tauxiado de ouro e forrado de verde; correias de verde, afiveladas de ouro; paquife e virol, de verde e de ouro; timbre, um dragão do escudo empunhando na garra dextra uma espada antiga de ouro; circundando o escudo, o colar da Ordem Militar da Torre e Espada; divisa, num listel de branco, ondulado, sotoposto ao escudo em letras maiúsculas de negro, de estilo elzevir: «PELA LEI E PELA GREI».”
Ora retomando o conceito de imagem anteriormente referido, como a forma como o mundo exterior vê e percepciona aquela pessoa ou entidade e que no caso das pessoas colectivas, para além do nome, do símbolo, do logotipo e das cores, identificam-se com uma “marca” que embora possa sofrer ligeiras alterações ou adaptações, mantém uma certa longevidade que lhe dá coerência e permite o mais fácil reconhecimento externo, tornando-as distintas e inconfundíveis com outras, podemos constatar que a GNR nem sempre tem sabido preservar os elementos coerência e longevidade da sua imagem, o que se vem materializado numa profusão de símbolos, cores e logotipos utilizados em diversa documentação, na sinalética dos seus quartéis, em apresentações públicas e sobretudo nas suas viaturas.
A este respeito e para além dos aspectos negativos e prejudiciais que a incoerência e mutação na apresentação da “marca”, acarreta a qualquer entidade, no caso da GNR, estes são duplamente negativos, na medida em que sendo a Guarda uma força de natureza militar, com um elevado número de unidades e serviços e um dispositivo bastante disperso e desconcentrado, o espírito de corpo e a coesão internas, serão necessariamente afectados pelo facto da simbologia utilizada, não ser uniforme e não contribuir para o seu reforço.
Constituem exemplos desta afirmação, a profusão de cores e simbologias utilizadas nas viaturas, cuja matriz se torna impercetível. Ao contrário do que sucede com as suas congéneres, onde todas as viaturas, independentemente da unidade, serviço ou função, têm a mesma cor. Na Guarda, para além das viaturas pintadas de verde “GNR” , existem outras de cor cinzento metalizado, de cor azul, de cor branca com lista verde, azul ou laranja, dependendo da unidade. O mesmo sucede com as embarcações que utilizam como cor de “marca” o azul, em detrimento do verde “GNR”, ostentando com maior destaque a designação da unidade a que pertencem, em vez da simbologia da própria Guarda.
Podendo parecer de somenos importância, este aspecto tem um significado profundo nos já referidos factores de coesão e espírito de corpo, para além de uma ideia de quebra de unidade de comando que transmite.
O outro aspecto negativo e prejudicial que a incoerência e mutação permanente na apresentação da “marca” GNR representa, respeita ao facto da Guarda, para além de ser um corpo militar, desempenhar uma função policial e neste âmbito, o reconhecimento fácil e imediato dos seus elementos e viaturas por parte da população em geral, ser um imperativo a que não pode deixar de obedecer, pelas consequências nefastas que a dúvida ou a incerteza sobre se aquela pessoa, é um agente da autoridade ou se aquela viatura está afecta à Guarda.
Podemos situar por volta de meados dos anos noventa do século passado, as mutações da simbologia externa da GNR e da percepção da sua própria e identidade e imagem.
Primeiro, pela alteração dos uniformes que deixaram a cor cinzenta mescla, com camisas verdes, iguais às utilizadas no plano de uniformes do Exército, para os de cor azul, sem no entanto colidir com a cor base da GNR, a cor verde, conforme consta do seu brasão de armas, das carcelas das golas dos uniformes, das calotes dos barretes com o símbolo “GNR” e até da lista longitudinal dos próprios barretes nº1 que se mantiveram inalteradas.
Depois, porque se associou a alteração da cor dos uniformes, ao facto da Guarda Fiscal ter sido extinta e os seus militares integrados na GNR, uma vez que a GF tinha como cor base o azul que constava no seu brasão de armas, nas carcelas das golas dos seus uniformes e na lista longitudinal do seu barrete nº1.
Aliado à mudança da cor dos uniformes, conjugada com a integração da GF, começaram a aparecer, sobretudo nos logotipos utilizados nos quartéis e em algumas apresentações públicas, a cor azul como identificativa da GNR, em substituição do verde, situação que para além de desrespeitar a simbologia da Guarda, se traduz numa alteração externa da sua imagem, contrária aos princípios da perenidade e coerência que aquela deve conter.
É ainda reflexo da incompleta integração da GF, na GNR, o facto das viaturas e embarcações da unidade que sucedeu à GF, a Brigada Fiscal, hoje a Unidade de Controlo Costeiro e a Unidade de Acção Fiscal, continuarem a utilizar uma cor diferente da das restantes da GNR.
Com excepção das viaturas afectas ao “trânsito” que para maior visibilidade nas estradas utilizam a cor branca e à semelhança do que sucedeu com a alteração dos uniformes em 1993/94, também as viaturas foram gradualmente mudando de cor, deixando a cor cinzenta e passando a utilizar a cor verde “GNR”, situação que se manteve até ao ano 2004, altura em que a GNR projectou para o Iraque uma força de escalão companhia que se integrou num batalhão “Carabinieri” e em consequência desta integração, para facilitar os aspectos logísticos, foram adquiridas viaturas do mesmo tipo e modelo que as utilizadas pela força italiana. Só que para além destes requisitos técnicos, estas viaturas foram pintadas da mesma cor que a utilizada pelos “Carabinieri”, a cor azul escura, embora com uma lista longitudinal verde, cor até então nunca utilizada pela GNR.
A partir daquele momento e para além da utilização de uma cor que não se identifica com a Guarda, abriu-se um precedente cujos reflexos hoje se sentem de forma muito acentuada, que foi o de permitir a variedade de cores nas viaturas da GNR, o que torna impossível a sua identificação com a Instituição e dificulta o seu reconhecimento por parte da população em geral.
Para além da situação das viaturas, também os logotipos e símbolos utilizados, passaram a ser diversos, prejudicando a transmissão de uma única imagem da Guarda, em detrimento da sua identidade.
Lisboa, 30 de Junho de 2015
Carlos Manuel Gervásio Branco, coronel (Res)
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