EXÉRCITO PREPARA-SE PARA GRANDES EXERCÍCIOS MULTINACIONAIS
Por Miguel Machado • 8 Jun , 2015 • Categoria: 01. NOTÍCIAS, EM DESTAQUE PrintBrigada Mecanizada, 04 de Junho de 2015, o Exército Português terminou o “Orion 15” com um exercício de fogo real em que empregou, pela primeira vez em conjunto treinando combate de alta intensidade, carros de combate Leopard e viaturas blindadas de rodas Pandur II, apoiados por artilharia, morteiros pesados e aviões F-16 da Força Aérea. Esta demonstração, que infelizmente passou despercebida ao todo nacional, foi no entanto a “ponta do iceberg”! O Operacional esteve em Santa Margarida e explica porquê?
Comando e Estado-Maior de Brigada certificado
Armamento moderno, planeamento cuidado, comando e controlo à altura de uma situação algo complexa, em que o uso de meios altamente letais como é típico destas operações, exigiu elevado profissionalismo, “do general ao soldado”. Sendo certo que foi uma demonstração, concentrando num espaço relativamente apertado e num período de tempo reduzido forças de razoável dimensão – meia centena de viaturas blindadas e umas centenas de militares – não deixou de constituir um teste bem sério à capacidade do Exército Português para enfrentar uma situação de combate. Tudo ali foi real…excepto as forças opositoras, claro.
O Exército Português tem hoje, passados quase 20 anos do envio de uma força de combate de escalão batalhão para a Bósnia-Herzegovina, bastante experiência internacional. No entanto, fruto de decisões que lhe fogem, as unidades que empenha são cada vez mais reduzidas, companhias ou apenas quadros para ministrar instrução. O “Orion 15” justifica-se não só por haver já este ano dois grandes exercícios multinacionais em Portugal, o European Air Transport Trainning e o Trident Juncture 15, especialmente este último com fortíssimo empenhamento do Exército em geral e “de Santa Margarida” em particular, como para certificar capacidades que qualquer Exército moderno tem que ter para cumprir cabalmente a sua missão. E isto, ter unidades certificadas segundo os padrões NATO, só se consegue com muito treino e avaliação.
Nem sempre há essa noção mas na realidade, embora permaneçam lacunas em alguns equipamentos importantes (*), os carros de combate Leopard 2A6, as viaturas Pandur II 8X8, os obuses auto-propulsados M-109A5 e os rebocados M-119, e mesmo os morteiros 120mm – e claro os F-16 da Força Aérea empenhados – são material idêntico ao usado por qualquer um dos países aliados, “ao lado” dos quais unidades do Exército podem vir a ser empenhadas em operações reais.
Não basta ter os meios materiais é preciso ter a capacidade para os usar de modo articulado e competente. Foi assim concluída no “Orion” a certificação de várias capacidades que potencialmente existiam mas não estavam na realidade adequadas aos padrões exigidos, não podendo ser usadas, por exemplo, no âmbito de uma operação multinacional.
Desde logo, um Comando e Estado-Maior de Brigada Framework(**), objectivo sempre perseguido pelo Exército. Por outras palavras, a partir de agora, e pela segunda vez(A) desde que se iniciou a nossa participação com forças de combate em operações expedicionárias (1996), se o poder político nacional assim o entender, Portugal tem a capacidade para empenhar um Comando e Estado-Maior de escalão brigada – o da Brigada Mecanizada com reforço de quadros de outras brigadas e órgãos do Exército – podendo enquadrar unidades nacionais e de outros países. Competirá aos decisores políticos avaliar a ocasião em que é do interesse nacional a sua concretização e, não menos fácil, conseguir nas instâncias internacionais, junto dos nossos aliados, que Portugal tenha essa possibilidade. Em bom português, “não basta querer, é preciso poder” e o peso de Portugal no contexto internacional, o modo como os outros avaliam o nosso esforço, ou a falta dele, noutras ocasiões, será sempre um dos importantes factores político-diplomáticos a considerar.
No “Orion 15” as equipas da Inspecção Geral do Exército, realizaram também a avaliação da prontidão para o combate, segundo os padrões NATO, do 2.º Batalhão de Infantaria Mecanizado (Rodas) da Brigada de Intervenção destinado à NATO Response Force 2016, de uma Força de Operações Especiais e de parte da Componente Terrestre da Força de Reacção Imediata do EMGFA, ambas da Brigada de Reação Rápida, e, outro marco importante, o Grupo de Carros de Combate da Brigada Mecanizada, atingiu a Full Operational Capability, objectivo iniciado já há algum tempo, mas que agora foi possível alcançar. De realçar que muitos factores influem nestas certificações, a vontade e o estudo são importantes mas não bastam, há condições relativas ao pessoal e aos materiais que têm que ser criadas ao longo da estrutura de comando do Exército – e por vezes até fora – para que isto seja possível.
As três operações do “Orion 15”
Como se percebe pelo que acima foi dito, o “Orion 15” não foi coisa pouca! Este exercício anual do Exército não se realizava neste formato com tropas no terreno já há quatro anos e em 2015, para conseguir os objectivos desejados, foi pensado um cenário destinado a situações diferenciadas, pois também o eram a tipologia das forças a empenhar, simplificando, ligeiras, médias e pesadas. Pretendeu-se que toda a componente operacional do sistema de forças do Exército fosse empenhada, o que envolve um grande número de unidades e departamentos, parte nem vai aqui referida, não por falta de importância, mas porque tornava o artigo uma “ordem de operações”, potencialmente maçadora! Vamos sintetizar o que se passou, usando muitas vezes terminologia NATO (é também assim que hoje se procede no nosso Exército como já temos referido em ocasiões anteriores), tentando quando for possível explicar conceitos complexos com palavras simples, em português, mesmo correndo o risco de alguma imprecisão técnica.
O “Orion 15” incluiu assim 3 grandes operações no espaço de três semanas (17MAI/04JUN), o que na realidade corresponderia a meses de intervenção num hipotético país em crise.
NEO – Non Combatant Evacuation Operation
Quando essa crise deflagrou desencadeou-se uma operação de evacuação de não combatentes, cidadãos nacionais e de países amigos (Non Combatant Evacuation Operation – NEO), em urgência, intervindo forças da Brigada de Reacção Rápida. Esta operação contou com a participação da Força Aérea e foi também no seu contexto que foi posto a funcionar pelo Agrupamento Sanitário o Hospital de Campanha do Exército(***), uma importante valência do ramo terrestre que pode ser empregue em múltiplas situações. Esta NEO foi executada basicamente por Operações Especiais e Comandos, destinou-se a extrair cidadãos portugueses do país em crise para garantir a sua segurança. Aqui foram avaliadas e certificadas a componente terrestre da FRI/EMGFA (Land Component Command – LCC /FRI) com forças do Centro de Tropas Comandos e uma unidade de operações especiais (Special Operations Land Task Unit – SOLTU) com forças do Centro de Tropas de Operações Especiais.
IEF – Initial Entry Force
A situação no país em causa vai-se deteriorando e a comunidade internacional decide intervir, agora com maior capacidade para combater, estando em causa, se necessário, actuar contra forças opositoras. A Brigada de Intervenção tem aqui a “parte de leão” empenhando o 2.º Batalhão de Infantaria Mecanizado (Rodas)(****) proveniente de Viseu (Regimento de Infantaria n.º 14), o qual foi empregue na defesa de um ponto sensível de indiscutível interesse estratégico (no Pego), cuja ocupação ou destruição causaria grave interferência na vida das populações locais e mesmo do país, e executou vários tipos de acções tácticas – reconhecimento de itinerários, vigilância de áreas e zonas e outras. Esta operação – Initial Entry Force, IEF – certificou em termos nacionais o 2.ºBIMec(R) como “Batalhão PANDUR/NRF16”, tendo sido também avaliado o plano de “carregamento” desta unidade. Por outras palavras, desde o momento que recebe a ordem para avançar desde o seu quartel, quanto tempo demora a estar totalmente pronto para intervir, já num determinado local que pode ser um porto ou aeroporto? Segue-se para esta força a certificação NATO após a qual passará, em 2016, a estar em “stand-by” para eventual emprego real.
FOF – Follow on Forces
Os esforços da comunidade internacional não tiveram êxito e decide-se que só um ataque e consequente destruição das forças inimigas podem estabilizar a situação. O Exército empenha aqui um Comando e Estado-Maior de Brigada, o Grupo de Carros de Combate, o 2.º Batalhão de Infantaria Mecanizado (Rodas), um Grupo de Artilharia de Campanha misto (uma bateria M109A5 155mm do GAC/BrigMec; uma bateria M119 Light Gun 105mm do GAC/BrigRR – a Light Arty Bty/NRF2015); um pelotão morteiros 120mm do PelMortPes/2BIMec(R) NRF16) e recebe apoio aéreo da Força Aérea (2 F-16 da Base Aérea n.º 5 – Monte Real). Esta força executa a chamada “marcha para o contacto” a que se segue um “ataque imediato e um ataque deliberado” para derrotar a força opositora. Com esta operação, designada Follow on Forces – FoF, ficou certificado um Comando e Estado-Maior de Brigada (no essencial o da Brigada Mecanizada), e o Grupo de Carros de Combate atingiu a sua capacidade operacional total (ou Full Operational Capability). Foi também na parte inicial desta fase que a Companhia de Pontes do Regimento de Engenharia n.º 1 apoiou o deslocamento desta força na transposição do Rio Tejo.
Live Fire Exercise
A demonstração de fogo real – Live Fire Exercise (LFX) na designação NATO – pretendeu treinar técnicas, tácticas e procedimentos, e também mostrar a uma assistência seleccionada, o culminar desta última fase do “Orion 15”. Foram empenhadas as forças média e pesadas que integraram a FoF e diversos apoios quer logísticos quer de segurança, aspecto este levado muito a sério na BrigMec.
A manobra que aliás transparece nas fotografias que ilustram este artigo, consistiu na execução de um ataque deliberado com execução de fogos directos (peça carro combate 120mm, Pandur canhão 30mm, Pandur TP 12,7mm), indirectos (M109 AP 155mm, M-119 105mm, Morteiros 120mm) e apoio de fogos aéreos (F-16 AM). A infantaria transportada nas Pandur TP 12,7mm armada com espingarda automática G-3 7,62mm, combateu sem apear.
Dois pelotões de carros de combate (Leopard 2A6) e dois pelotões de atiradores mecanizados (Pandur PCanhão 30mm e TP 12,7mm), atacaram dois objectivos, através de fogo e movimento com apoio mútuo e dos fogos aéreos, numa acção que envolveu também a realização de fogos de artilharia e morteiros pesados, exigindo grande coordenação tanto mais que o emprego do armamento se realizou num espaço várias vezes inferior ao que corresponderia uma acção real para este volume de forças.
Comunicação, parente pobre
Um exercício desta envergadura e com este significado devia ter tido no entanto, na nossa opinião, um tratamento comunicacional mais efectivo. Excetuando alguns órgãos locais ou especializados (como o Operacional ou a revista Soldiers de Espanha), e pequenas aparições nas redes sociais por iniciativas várias, a nível dos grandes órgãos de comunicação social, aqueles que chegam a milhões de portugueses, nada. Mesmo no dia da visita ministerial, habitualmente sempre acompanhadas por vários jornalistas, desta vez…zero. Nem um apontamento de reportagem numa TV, apenas um pequeno “take” na Lusa ao qual ninguém ligou e onde aliás se referia “(o ministro) que não prestou declarações à comunicação social”…Não se percebe.
Os portugueses em geral continuam a não ser informados na medida do que deviam sobre o que as Forças Armadas fazem e o que são, com graves prejuízos para a sua imagem pública e dos próprios militares. Parece que nunca mais chega o tempo da Defesa Nacional e Forças Armadas, no seu conjunto, pensar estas matérias e articularem-se para atingir esta finalidade. Anualmente gastam-se recursos humanos e financeiros não desprezíveis com estruturas de comunicação e a “formar” jornalistas e líderes de opinião, mas afinal, onde estão quando chega a altura do retorno? Também aqui – e isto dá para outro artigo – há que avaliar o que se vai fazendo. Cerca de 25% do Exército, ou mesmo mais, directa e indirectamente, esteve empenhado no “Orion 15”, atingiram-se objectivos importantes, o país merecia saber disto.
Conclusão
A componente operacional do sistema de forças do Exército, está agora mais capaz de levar a cabo os tipos de missões treinados. Não foi um esforço pequeno para os militares envolvidos, certamente que várias lacunas foram detectadas e serão objecto de análise e tentativa de correcção, tendo em vista os dois próximos exercícios multinacionais em que o ramo terrestre, em coordenação com o EMGFA, Marinha e Força Aérea, vai estar empenhado, e também os eventuais empenhamentos operacionais reais que possam surgir. Neste momento o Exército tem unidades constituídas em FND na Lituânia, no Kosovo, e tem a LightArtyBaty NRF15 em “stand-by”.
A situação internacional não está de molde a facilitar na prontidão das forças, e como é sabido, os exércitos não se improvisam.
As lacunas em pessoal e material estão identificadas, parece haver vontade política de implementar a Lei de Programação Militar – mesmo com anos de atraso, mais vale tarde do que nunca – o que cria expectativas positivas. Mais difícil será a resolução de questões ligadas ao pessoal – por todo o lado onde o Operacional vai, a questão dos efectivos e estatutos transparece – mas na realidade, apesar disto, o profissionalismo de quadros e tropas esteve bem patente e é fácil perceber que no “Orion 15”, do comando à execução, estiveram presentes não o resultado de meses de preparação, mas de anos de trabalho, de saber acumulado e dedicação ao ramo, às Forças Armadas e a Portugal.
(*) Dos drones aos veículos blindados 4×4 e outros 8X8 ainda em falta, das espingardas, pistolas e metralhadoras modernas a uma série de itens de equipamento e fardamento individual, as lacunas estão identificadas, aguarda-se a concretização de alguns destes programas com a actual LPM.
(**) Expressão usada para designar uma brigada composta por sub-unidades provenientes de vários países. Habitualmente lidera o país que fornece o núcleo principal do Comando e Estado-Maior e o maior número de militares /sub-unidades.
(***) Esta estrutura modelar encontra-se actualmente na Brigada de Reacção Rápida mas estará destinada ao futuro Regimento de Apoio Militar de Emergência.
(****) Com a introdução das viaturas Pandur II, os batalhões de infantaria da Brigada de Intervenção adoptaram esta nova designação.
(A)- A primeira vez que em Portugal se certificou um comando de brigada, tal verificou-se na Brigada de Intervenção e no âmbito da participação nacional nos European Union BattleGroup. Foi um processo que se iniciou em finais de 2010 tendo este objectivo sido alcançado no ano seguinte, estando a força em “stand-by” em 2011. Recorda-se que Portugal teve por estes anos forte empenhamento nestes processos da UE, acolhendo inclusive exercícios multinacionais em território nacional e também, fora das nossas fronteiras, nomeadamente em Itália, deu o seu contributo a estas forças. Sobre estes assuntos leia no Operacional:
EUROFOR EUROPEAN UNION BATTLE GROUP 2011-2
TOSCANA 11, O “BATTLE GROUP PORTUGUÊS” ESTÁ EM MARCHA
PORTUGAL COMANDA FORÇAS EUROPEIAS
EUROFOR – One Force for Europe, One Flag for Peace
Miguel Machado é
Email deste autor | Todos os posts de Miguel Machado