EXERCÍCIO “MOLIÇO 151”: PÁRA-QUEDISTAS & HELICÓPTEROS EM SEIA
Por Miguel Machado • 26 Mar , 2015 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintO 2.º Batalhão de Infantaria Pára-quedista, unidade em “stand by” para a Força de Reacção Imediata do Estado-Maior General das Forças Armadas (FRI/EMGFA), cumpriu mais um exercício no seu programa de treino, este com um “valor acrescentado”, o uso intenso de helicópteros portugueses e dinamarqueses. O Operacional esteve em Seia e mostra o que viu fazer.
Conjugação de esforços inter-ramos
Para quem acompanha estas temáticas a primeira surpresa agradável é ver a conjugação de esforços entre dois ramos das forças armadas, Exército e Força Aérea – e mesmo de uma força aérea estrangeira(*) – transformar-se numa mais-valia para todos e na efectiva utilização ao máximo dos recursos disponíveis. Sendo isto relativamente normal em exercícios de grande dimensão (como semanas antes o “Real Thaw” o provou e alguns outros durante o ano), já não é vulgar em exercícios deste escalão tão baixo. Os “Moliço” são exercícios do 2.º BIPara, que embora envolvam (e logo treinem) praticamente todo o batalhão, nomeadamente o seu comando e estado-maior e até destacamentos de outras unidades da brigada, estão destinados a avaliar as suas companhias. Diz-nos o Tenente-Coronel Pára-quedista Francisco Sousa, comandante do 2.º BIPara: “Tendo sabido através dos canais de comando adequados, com a devida antecedência, a intenção que as forças aéreas de Portugal e da Dinamarca tinha de realizar um treino complementar na sequência do “Real Thaw”, aqui nesta região, e de nós, de acordo com as directivas de treino do Comando das Forças Terrestres e da Brigada de Reacção Rápida estarmos a preparar este exercício “Moliço 151” para avaliar o treino das subunidades de manobra do 2BIPara (Companhias 21 e 23) no planeamento e condução de operações militares convencionais, foram estabelecidos os contactos necessários – só possíveis dadas as excelentes relações entre os dois ramos – para integrarmos tudo isto, e os resultados até ao momento são os melhores. O “Moliço” como verão não se esgota na utilização dos helicópteros, é muito mais do que isso, mas confere-lhe uma outra dinâmica, e até ao momento (em 3 dias) já utilizamos mais de 5 horas de voo, a maioria nos Fennec da Força Aérea Dinamarquesa mas também nos Alouette III da Força Aérea Portuguesa”.
“Moliço 151”
Princípio básico, embora nem sempre lembrado, “se é possível simplificar para quê complicar?”, parece ter sido aqui aplicado em vários aspectos, nomeadamente o do cenário do exercício. Se o “Real Thaw” tinha terminado dias antes e se algumas das forças empenhadas no “Moliço” haviam estudado, interiorizado e actuado de acordo com o cenário desse grande exercício multinacional …aplicou-se o mesmo cenário. O mesmo inimigo, o “Exército de Libertação de Balantya”, ía ser combatido agora apenas por portugueses e dinamarqueses, e sabia-se que tinha capacidade para atacar com emboscadas e flagelações, podia colocar explosivos improvisados, queria fazer reféns e tinha civis que andavam “por aí” mas que serviam de “spotters”, monitorizando as forças aliadas.
As duas companhias de pára-quedistas – a 21 e a 23 – foram testadas num ambiente de alguma competição inserido pelo estado-maior do batalhão que lhes atribuía as missões, parte delas com algumas intensidade, obrigando-as a pernoitar fora da “base”, transportando consigo naturalmente “às costas” todo o equipamento de combate adequado ao empenhamento. Foram executadas infiltrações e exfiltrações em helicóptero, marcha de montanha, aproximações aos objectivos, reconhecimentos, assalto a objectivos, tudo isto num ambiente “hostil”, “em áreas controladas pelas forças opositoras”, “em média e alta montanha”. O modo como tudo isto foi cumprido pelas companhias permitiu ao comando do batalhão avaliar, entre outros aspectos, a capacidade de emprego de meios aéreos de asa móvel em operações de combate convencional; a capacidade de reacção a situações inopinadas; a capacidade para actuar em situações de relativo isolamento táctico, falta de informações e reabastecimentos, em condições adversas do terreno, meteorológicas e com grande intensidade nas operações.
Foram definidas duas áreas de responsabilidade para o batalhão e as companhias cumpriam missões, muitas vezes “trocadas” dentro de cada uma delas. Um exemplo: a companhia 21 efectuava a infiltração helitransportada, marcha e reconhecimento a um objectivo, e regressava à base, para depois, com os elementos recolhidos, ser a 23 a fazer a infiltração e ataque a esse objectivo. Introduzia-se assim uma responsabilidade acrescida na recolha das informações necessárias ao cumprimento da missão.
E se as companhias andavam muitas vezes mais do que um dia no terreno cumprindo estas missões, o estado-maior também tinha essa rotina de trabalho e funcionou num ciclo de trabalho 24H sobre 24H, a partir da base montada junto à pista de Seia, lado a lado com o destacamento das forças aéreas de Portugal e da Dinamarca.
Novidade tecnológica testada
A necessidade aguça o engenho e se no “campo militar” isto tem sido uma constante ao longo da história, assim continua e neste exercício o 2.ºBIPara testou uma “ferramenta” que o auxiliou a aperfeiçoar o comando e controlo das operações. Como nos diz o sargento-ajudante pára-quedista Carlos Queirós, «…trata-se de uma aplicação (SevenEARTH) desenvolvida pelo Primeiro-Sargento de Transmissões Pára-quedista Jacinto Neves, da Companhia de Transmissões da BrigRR. Baseia-se em mapas do Google Earth em modo offline. Estes mapas são colocados em memória cache e posteriormente utilizados pela aplicação referida. Tem capacidade, através de ligação rádio segura (SECOM – V) do TR525 (EID) permite realizar o “tracking” (posicionamento e traçado do itinerário) do militar no terreno durante a operação. Em HF modo ALE3G permite ver a posição do rádio remoto e o envio e recepção de mensagens curtas; permite também a visualização da localização de todos os rádios; envio de mensagens também em modo seguro. É uma aplicação em desenvolvimento e que foi testada anteriormente pela Companhia de Transmissões da Brigada de Reacção Rápida e agora pelo 2BIPara pela primeira vez. Tem como vantagem a utilização de imagens geo-referenciadas obtidas de forma gratuita». Pode-se dizer que não será uma evolução “estrondosa” e é um facto, mas também não é menos verdade que se trata de uma evolução, “empurrada” de baixo para cima e logo apoiada senão incentivada, como tantas vezes acontece na instituição militar, o que para nós é um óptimo sintoma da vontade de fazer bem, vontade de evoluir em todos os níveis da hierarquia, em suma, de apego à profissão.
Claro que num exercício – e para isso é que servem! – nem tudo é positivo ou corre bem, não haja ilusões. Se por um lado a componente logística nos pareceu muito aligeirada, reduzida ao mínimo indispensável – não se queixaram, mas responderam-nos que é assim na nova orgânica dos batalhões de pára-quedistas – certamente num caso real esta vertente terá outra atenção e não dependerá apenas do esforço e boa-vontade e dedicação de quadros e praças envolvidos; a nível dos equipamentos e do armamento individual, vão-se notando falhas e alguma distância face ao que os nossos parceiros e aliados utilizam. Do lado positivo não podemos deixar de referir que hoje em dia este (e certamente outros) batalhão tem um bom enquadramento com oficiais e sargentos dos quadros permanentes em número suficiente para o quadro orgânico, gente muito experiente com diversas missões internacionais cumpridas bem assim como participação em exercícios em ambiente multinacional, movendo-se com naturalidade e profissionalismo na doutrina NATO, comum a todos este exercícios e operações.
Conclusão
Numa situação real, por exemplo numa evacuação de cidadãos nacionais de um qualquer local do mundo em convulsão, se uma força deste tipo fosse empregue – helicópteros e pára-quedistas – o dispositivo montado e a partir do qual se desenrolaria a acção, não seria muito diferente do que vimos em Seia. Uma base em local seguro para a partir daí lançar as operações que a situação justificasse.
Mesmo que os batalhões de pára-quedistas hoje tenham uma estrutura muito (demasiado?) aligeirada, o que numa operação deste tipo obrigaria a um reforço da componente logística com meios e pessoal de outras sub-unidades, aqui em Seia, fruto do tal principio de simplificar e não complicar reinante e também de algum apoio – a custo zero – prestado pela Força Aérea Portuguesa, foi possível realizar este tipo de exercício, introduzir e testar inovações, cooperar de modo continuado com uma unidade de helicópteros estrangeira (com larga experiência operacional no Kosovo, Iraque e Afeganistão), concluindo-se que também os nossos militares, muitos deles com empenhamentos semelhantes, não só estão “ao nível” como também eles transmitiram algo da sua própria experiência que foi aproveitado pelos outros.
(*) A Real Força Aérea da Dinamarca – «Flyvevåbent», concentra todos os helicópteros militares da Dinamarca: 8 Fennec (4 estiveram no Moliço 151), 8 EH101 SAR; 6 EH101 Tacticos; 8 Lynx embarcados em navios da Marinha de Guerra. E profissionalismo não lhes falta!
Veja aqui o vídeo: HELITRANSPORTE NO “MOLIÇO 151″ EM VÍDEO
Miguel Machado é
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