ENCONTRO NACIONAL DE VEÍCULOS MILITARES ANTIGOS EM ELVAS
Por Miguel Machado • 22 Jun , 2017 • Categoria: 03. REPORTAGEM, 14.TURISMO MILITAR, EM DESTAQUE PrintQuem gosta de veículos militares antigos teve em 17 e 18 de Junho últimos uma boa oportunidade para tomar contacto com o que de melhor se faz em Portugal nesta área! Foi no Museu Militar de Elvas, cidade Património Mundial da UNESCO, que o Exército e a Associação Portuguesa de Veículos Militares “abriram as portas” aos fãs. O Operacional esteve presente e faz aqui um “ponto de situação” desta actividade.
Não sendo coisa nova, afinal de contas tratou-se do XI Encontro Nacional de Veículos Militares Antigos realizado pela Associação Portuguesa de Veículos Militares (APVM), este ano o evento teve especial relevância por dois motivos principais:
– A actividade da APVM tem decorrido com um ritmo intenso e há neste momento um número significativo de viaturas militares antigas a funcionar;
– As áreas museológicas dedicadas a esta temática no Museu foram renovadas no ano transacto, têm muitas viaturas – meia centena – e parte muito substancial em bom estado de conservação para exposição;
Sendo certo que há um longo caminho a percorrer, quem sabe o que era esta componente do museu há pouco mais do que um par de anos e o que é hoje, nota uma enorme evolução. A coordenação de esforços entre a APVM e a Direcção de História e Cultura Militar (DHCM) do Exército Português tem dado frutos.
A Associação Portuguesa de Veículos Militares em Elvas
A importância do trabalho realizado pelos voluntários da APVM ganhou aonda maior relevância porque nos últimos meses parte dos quadros militares – sobretudo sargentos – que estavam envolvidos directamente nestes trabalhos, deixaram o serviço activo no Exército no final do ano de 2016 – as alterações estatutárias na carreira militar a isso levaram muitos oficiais e sargentos e também aqui – não tendo até ao momento sido possível a sua substituição.
No âmbito da cooperação entre a DHCM e a APVM que se estabeleceu a partir de 2011, mas em concreto com um protocolo estabelecido em 2015, o Exército garante o transporte entre Lisboa e Elvas aos voluntários da associação, proporciona o seu alojamento e alimentação nas instalações militares de Elvas, e…mãos à obra, sem horários, ombro a ombro com os militares e muitas vezes até sozinhos. Se nos primeiros anos as deslocações Lisboa – Elvas eram esporádicas, nos últimos tempos o ritmo de trabalho intensificou-se.
De acordo com o estado das viaturas e as possibilidades materiais, umas são colocadas em bom estado apenas para serem expostas e outras mesmo a trabalhar, a “rolar”!
Têm sido muitos fins-de-semana por ano, por vezes mesmo seguidos, nos quais entre 12 a 15 elementos da Associação mergulham nas instalações oficinais do Museu – em parte também por eles organizadas para esta finalidade – e recuperam veículos militares que fizeram a História do Exército Português e algumas têm mesmo uma história para contar.
Investigação histórica vs prioridades
A montante deste trabalho com “as mãos na massa”, há uma componente de investigação histórica, desenvolvida pela APVM e pelo Museu, que é fundamental e permitiu identificar as viaturas prioritárias. Ou seja, descortinando-se onde estão veículos do Exército com interesse histórico (em que unidades), foi feita uma listagem ordenada por prioridades a fim de tentar sensibilizar os responsáveis para a necessidade urgente de “remeter” determinadas viaturas para o Museu. Adiante voltaremos a este assunto que é mais importante e difícil do que à primeira vista possa parecer! Não sendo possível de imediato proceder à sua recolha para o Museu, pretende-se no mínimo que as ditas viaturas prioritárias sejam guardadas onde estão em condições mínimas que preservação.
Esta área da investigação também é importante quando as viaturas já estão apresentáveis, para incluir na exposição fotografias das épocas em que estavam ao serviço e informação sobre cada viatura em concreto, dando assim ao visitante um melhor enquadramento daquilo que lhe é mostrado.
O que há para ver?
As fotos aqui publicadas dão uma ideia aproximada do que um visitante poderá ver, e em linhas muito gerais podemos dizer que está assim agrupado: viaturas administrativas, tácticas, blindadas e outros equipamentos como reboques ou artilharia. Há também uma área dedicada à mecânica e oficinas onde o trabalho se desenrola. Neste momento têm um Bren Carrier e uma AML em “obras” e que, espera-se, dentro de cerca de um ano estarão não só prontas para serem expostas como a “rolar”! Um Saladin está em estado ainda mais adiantado.
Das várias curiosidades que poderemos destacar, talvez referir que:
– O blindado mais antigo do Exército Português que se conhece já está em Elvas, é uma “Viatura de Reboque de Artilharia Vickers”, da marca Vickers Carden Loyd, de origem britânica, com motor Ford, do ano de 1931. Esteve à chuva anos e anos numa unidade até que foi possível o seu transporte para o Museu. Está exposta mas necessita de trabalhos de recuperação;
– Há pelo menos uma Berliet-Tramagal de cada versão que o Exército recebeu – incluindo um dos 5 protótipos construídos da “Tramagal Turbo”, designada pelo fabricante TT 160 6X6, que foi apresentada inicialmente em Dezembro de 1981 e em Outubro de 1982 às Forças Armadas mas nunca chegou a ser adoptada. Recortando um pouco da história desta extraordinária viatura, uma das que o Exército Português usou mais tempo e em maior número, socorremo-nos do trabalho de Henrique Botequilha e Patrícia Fonseca, na revista da Câmara Municipal de Abrantes “Passos do Concelho 95”onde sintetizam: «… O primeiro modelo a sair da linha de montagem do Tramagal foi o GBC 8T, nas versões 4×4 e 6×6 – entraram ao serviço do Exército em 1964 e 1966, respectivamente. Em 1969 chegava o camião GBA 6MT 6×6, mais ligeiro e mais pequeno. No total, o Exército comprou 3 549 veículos tácticos pesados com a designação Berliet-Tramagal: 1 670 GBC 4×4; 972 GBC 6×6; 907 GBA 6×6…». Gerações e gerações de portugueses conhecem-na bem, poucos dos que “fizeram a tropa” até aos finais dos anos 80 não terão andado numa!
– O Auto Blindado Transporte Pessoal 5 ton. White M3A1 4×4 m/1946, que foi o primeiro veículo blindado que foi recuperado pelos militares do Museu Militar de Elvas, depois da APVM o ter colocado em funcionamento em 2011. Está impecável e anda! Estas viaturas, recebidas do Reino Unido já terminada a 2.ª Guerra Mundial haveriam de ser ainda empregues no teatro de operações da Guiné, nas unidades de reconhecimento de cavalaria para transporte de pessoal. Chegou a ser utilizada em conjunto com as V-200 Chaimite. Material naturalmente desactualizado para a época em que foi usada, teve que servir à falta de melhor e ainda está na memória de muitos antigos combatentes no Ultramar.
Talvez destacar ainda que apenas duas Chaimites V-200 fazem parte do acervo do Museu, em duas das versões convertidas das originais BRAVIA nos anos 80 do século XX, ambas com a motorização diesel: uma o AUTO BLINDADO PORTA METRALHADORA 7,62mm TP 10 CHAIMITE D 4×4 M/67-87 V-200 (com torre) e a outra é uma AUTO BLINDADO P/MET M2HB 12,7 MM TP10 CHAIMITE D 4×4 M /67-87 V-200. Sabendo-se que o Exército neste momento tem seguido uma política de entregar várias viaturas V-200 para embelezar unidades militares, outros museus e, mais discutível, até para Câmaras Municipais, é realmente estranho que pelo menos uma AUTO BLINDADO PORTA MORTEIRO 81 mm CHAIMITE D 4×4 M/67-87 V-200 e uma PORTA LANÇA MÍSSEIS CHAIMITE D 4×4 M/67-87 V-200 (será ainda possível com o sistema SS11?) não estejam já no museu. Aliás tinha era lógica que Chaimites de todas as versões fossem entregues em Elvas para serem ali preservadas. Tendo havido relativamente poucos exemplares construídos, alguns exportados, estamos certos que a Chaimite até para trocas com outros museus congéneres por viaturas que façam falta em Portugal, poderá ser uma mais-valia. Outra ideia interessante seria colocar Chaimites configuradas/pintadas com as cores de países para onde foram exportadas e mesmo uma com “as cores” dos Fuzileiros portugueses que também as usaram.
No Museu Militar de Elvas podem ser vistas mais de meia-centena de viaturas e também algum armamento pesado que foi “posto a funcionar” como uma Metralhadora Quádrupla de Artilharia Antiaérea 12,7 mm m/953, de origem norte-americana, fabricada sob licença na fábrica suíça Oerlikon, a qual foi instalada numa das Berliet-Tramagal ou a peça também antiaérea 4 cm que pode ser rebocada por várias viaturas.
O que deveria poder ver?
De assinalar como muito positivo o facto de uma V-150 já fazer parte do acervo, mesmo que ainda algumas estejam em serviço. O caminho deverá mesmo ser este, o de viaturas que ainda estejam ao serviço ou no final da sua vida útil – quando muitas de uma versão já estão “encostadas” (aliás é o caso da V200 Porta-Morteiro) – as unidades procederiam à entrega de (pelo menos) um exemplar a funcionar e com a configuração em uso. Evitava-se assim não só o custo e tempo de recuperação como a adulteração do seu aspecto, facto que conscientemente ou não, tem acontecido. Aliás em tempos idos neste museu optou-se por colocar o logotipo do Museu Militar de Elvas nas viaturas expostas e não a simbologia de uma qualquer unidade em que a viatura foi de facto usada o que é contra todas as boas regras de preservação de artigos museológicos. Voltar a colocar as viaturas como de origem é trabalho que vai consumir tempo e dinheiro.
O Museu tem nas suas “reservas” várias viaturas que garantem aos voluntários da APVM e ao Museu anos e anos de trabalho. E o caminho vai ser esse, depois do Saladin, Bren Carrier e AML, há muito por onde escolher! Desde logo pelas Panhard EBR e ETT (esta raríssima a nível mundial, Portugal foi o único pais que a comprou), ou pelo Granadeiro GM 4X4 TT m/947, ou, ou, ou, por aí a fora. Agora, também há muitas viaturas que já podiam estar no Museu. Basta uma passagem pela Brigada Mecanizada para ver a enorme quantidade de viaturas blindadas que têm lugar em Elvas!
Desafios do futuro
Em Portugal não há outro local com as potencialidades deste museu militar para desenvolver esta área dos veículos militares antigos. Sendo certo que a localização Elvas tem vantagens e inconvenientes, a realidade é que a opção em tempos tomada pelo Exército de aqui ir concentrando as suas viaturas antigas – talvez até por falta de outras opções que não colidissem com as necessidades operacionais de então – trouxe-nos até à realidade actual. Nunca em Portugal um tão grande número de viaturas militares antigas, preservadas, esteve disponível para visita e, menos ainda, em funcionamento e capazes de participar em actividades com as deste fim-de-semana, “Um Dia no Museu Militar de Elvas”, com potencial para atrair visitantes não só para ver os veículos mas para outras actividades “radicais” que ali tiveram lugar. O calor extremo é que não ajudou, mas quanto a isso…
Tomada esta opção Elvas o ramo tem que a assumir a 100% e nem sempre é fácil perceber as dificuldades, e quando não as impossibilidades, de colocar no Museu viaturas que se encontram espalhadas pelo dispositivo com visibilidade e uso muito reduzido, senão mesmo nulo. No entanto a possibilidade de haver outros locais para recolher e mesmo reparar viaturas antes de as enviar ao museu – por exemplo mais próximo de Lisboa na área de Entroncamento / Tancos / Tomar / Abrantes / Santa Margarida, com grande concentração de unidades e logo viaturas a deixar o serviço – parece ser uma ideia que vai germinando e merece pelo menos ser considerada.
À semelhança do que é feito noutros ramos das Forças Armadas em Portugal e no estrangeiro, também o Exército tem que permitir a inclusão no acervo do museu de viaturas ainda em uso operacional e em perfeito estado de funcionamento. É assim em todo o lado, no Museu do Ar pode-se ver um AL III ou um Alpha-Jet, como aqui em Elvas se vê uma V-150 e podia ver um M-60 ou um HMMWV e tantos outros veículos. Espaço parece haver, mas para criar as condições adequadas e retirar viaturas do ar-livre é que vai obrigar a algum investimento.
A passagem pelo Museu de viaturas modernas para exposições temporárias, por exemplo a Pandur ou o Leopard, também podem ser considerados, é um modo de divulgar o ramo e mostrar a sua modernidade junto dos mais jovens.
O trabalho da APVM é excepcional e insubstituível. Não haja ilusões, sem eles, sem os voluntários, o Exército de hoje não tinha possibilidade de afectar pessoas e meios a esta actividade que sendo interessante não é naturalmente uma prioridade do ramo terrestre. Isto é aliás mais ou menos assim em todos os países onde estas actividades têm enorme relevância, sendo mesmo em alguns casos que conhecemos os museus deste tipo importantes pólos de dinamização turística com eventos anuais que atraem milhares de visitantes.
Quem passe pelos museus congéneres na Europa e assista aos seus encontros de veículos militares antigos, percebe no entanto que temos um longo caminho a percorrer, quer em quantidade de viaturas, quer depois nestes eventos, na sua organização e até nas reconstituições históricas que a eles se podem/devem associar.
Nos outros ramos das Forças Armadas há viaturas históricas preservadas bem assim como nas Forças de Segurança. Se uma vez de dois em dois anos fosse possível reunir em Elvas um conjunto alargado destas viaturas e fazer aqui uma cuidada reconstituição histórica – aquilo que os franceses chamam um “Carrousel” – certamente que se conseguia atrair mais gente – a renovação geracional também é necessária, para a actividade se manter – além de ter impacto na economia local e mesmo nacional.
Mas este crescimento e optimização não é coisa que um grupo de entusiastas consiga por si só, terá sempre que contar com apoios oficiais – que não os condicionem mas de facto apoiem – das entidades ligadas ao turismo regional e nacional, à preservação do património histórico-militar e à Defesa Nacional. O futuro nesta área não se faz sem os voluntários, mas as entidades oficiais devem canalizar os parcos recursos disponíveis para o seu apoio, para quem realmente produz trabalho visível, para quem consegue “fazer rolar”!
Leia também no Operacional sobre estas temática das viaturas militares antigas e…aquelas que amanhã o serão!
O MUSEU DOS BLINDADOS DE SAUMUR – PARTE I
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