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CORPO EXPEDICIONÁRIO PORTUGUÊS (C.E.P.) A FRANÇA 1917-18

Por • 3 Fev , 2013 • Categoria: 05. PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XX Print Print

Voltamos hoje, pela mão do nosso colaborador Manuel Ribeiro Rodrigues, a um dos temas que lhe é caro, a Grande Guerra. E com um assunto que é pouco falado senão mesmo desconhecido, a participação de capelães militares no conflito. Os nossos renovados agradecimentos e votos para que continue no seu blogue – “Grande Guerra – 1914-1918” – a divulgar o seu acervo particular, que tantas e tão significativas parcelas de história ainda tem para desvendar.

Braçal da Assistência Religiosa no Corpo Expedicionário Português em França (1917-1918)

Braçal da Assistência Religiosa no Corpo Expedicionário Português a França (1917-1918).

A ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

Ao comemorar-se no próximo ano de 2014 o primeiro centenário do início da Grande Guerra, não quis o responsável por este “blog” deixar de assinalar esta importante efeméride em parceria com o “site” Operacional.

Portugal só entrou na guerra no ano de 1914 em África, tendo apenas estado em França nos anos de 1917 e 1918, como este “blog” foi criado precisamente para homenagear todos esses heróis que estiveram presentes nas três frentes de batalha, Angola, Moçambique e França, recomeça-se abordando os mais diversos temas, principalmente os “menos conhecidos” ou por outras palavras os “mais esquecidos”, dando-se principal destaque à parte iconográfica.

Reinicia-se com um trabalho dedicado ao tema em epígrafe, com um excelente artigo, publicado há 77 anos, escrito pelo Reverendo Padre Avelino de Figueiredo, que foi um dos primeiros sacerdotes a embarcar voluntariamente para França, deixando-nos um testemunho extraordinário sobre o que foi a Assistência Religiosa no C.E.P.. Neste sentido achei por bem transcrever o seu texto na totalidade.
O autor

Padre Avelino Figueiredo (autor deste artigo) no caís de embarque. Colecção particular.

Padre Avelino Figueiredo (autor deste artigo) no caís de embarque. Colecção particular.


“Pelo Decreto n.º 2:942, de 18 de Janeiro de 1917, foi criada a Assistência Religiosa junto do Exército Português na Grande Guerra.

Os termos deste Decreto eram tais, que o Governo português julgou não haver no país clero, que se oferecesse. Este era convidado para o sacrifício da sua tranquilidade, da sua saúde, para a morte, sem uma única garantia, ou remuneração! Nem pré de soldado lhe concedia o governo!

Permitia-se a incorporação do clero no C. E. P. sem garantias de espécie alguma.

As enfermeiras eram equiparadas, para o efeito de soldo e subvenção, ao posto de alferes; os capelães equipararam-nos a alferes sem vencimento.

Os capelães de qualquer exército em campanha, na Grande Guerra, tinham o ordenado e subvenção correspondente ao seu posto, que ia desde tenente até general.

Uma excepção havia para os pobres capelães portugueses!

Um dia fui visitado em Lestrem, quando chefe dos serviços religiosos da 1.ª Divisão, pelo meu colega inglês duma Divisão do V Exército. Ele mostrou a sua indignação por me ver equiparado a alferes, pois os capelães ingleses nas minhas condições eram tenentes-coronéis.

À n/esq. o Cónego Álvaro Santos e à drt.o Padre Avelino Figueiredo. Colecção particular

À n/esq. o Cónego Álvaro Santos e à drt.o Padre Avelino Figueiredo. Colecção particular.

Ignorava ele, que o chefe geral era alferes equiparado, sem vencimento. Quando os Hospitais ingleses se transferiam de Air-sur-la Lis para Merville, fui visitar os doentes portugueses que ali havia.

O capelão inglês e um seu doente, disseram-me, que não saísse, sem lhes falar. Que queriam?! Dar-me uma esmola. Como português senti-me vexado, mas não pôde rejeitá-la, tal a caridade com que a ofereceram; «para missas», por suas intenções.

Colecção particular

Colecção particular.

Porquê esta excepção?! O Governo português nunca calculou, que houvesse bastante patriotismo e fé ardente, que levasse aos campos de batalha o clero de Portugal, em condições tão desvantajosas. Verdade seja, que o episcopado do nosso país, num erro de visão, tinha resolvido opor-se à ida do seu clero para a guerra, na qualidade de capelães.

Quando o Governo português fez o oferecimento do nosso exército aos ingleses, resolveu enviá-lo sem capelães. O Governo inglês,-que tinha em cada batalhão ou hospital três capelães! Um católico, um anglicano e um prisbeteriano, ou seja um capelão de todas as religiões seguidas na Inglaterra – fez-lhe ver, que não aceitava os nossos soldados sem capelães; fossem eles de que religião fossem; mas que fossem da religião dos nossos soldados.

Reverendo Tavares de Lima. Cruz de Guerra. Pelo zelo com que procedeu já no seu ministério sagrado,já na coadjuvação dos serviços de enfermagem. Colecção particular

Reverendo Tavares de Lima. Cruz de Guerra. Pelo zelo com que procedeu já no seu ministério sagrado,já na coadjuvação dos serviços de enfermagem. Colecção particular.

Os povos civilizados admitem, que os seus soldados tenham uma religião mas não os admitem sem religião, e assim os ingleses, franceses, alemães, austríacos e italianos tinham capelães junto dos seus exércitos.

Se o nosso Governo quisesse enviar capelães, não precisava, de princípio, criar o corpo de capelães-voluntários; bastava-lhe fazer seguir, com os nossos soldados os capelães, que tinha no exército, e que ainda lá estão, mas empregados em tudo menos no serviço religiosos e aperfeiçoamento moral dos nossos soldados.

Ele, porém, pretendeu simplesmente criar os capelães-voluntários, para inglês ver. Não havendo oferecimentos, não haveria capelães.

Reverendo Ângelo Ramalheiro.Cruz de Guerra. Pelo sangue frio com que assistiu à morte dum soldado, sob intenso bombardeamento. Colecção particular

Reverendo Ângelo Ramalheiro.Cruz de Guerra. Pelo sangue frio com que assistiu à morte dum soldado, sob intenso bombardeamento. Colecção particular.

Mas Deus, que se serve da mais fraca argila, para as suas obras, sugeriu a ideia do oferecimento de alguns padres, os quais tiveram a ampará-los o carinho desse alto espírito, que foi o cardeal Belo. Sua Eminência depois de lhes mostrar os inconvenientes do não oferecimento do clero para a guerra, dispensou-nos toda a sua benevolência.

Dois bispos estiveram sempre em espírito com os capelães militares -o Cardeal Patriarca e D. Sebastião, bispo de Beja.

Com o meu oferecimento para capelão do C. E. P. e a propaganda a favor dos capelães-militares começaram os oferecimentos, e formou-se o corpo dos capelães, embora tão diminuto, que não chegou para que cada unidade tivesse um capelão.

Reverendo António Rebelo dos Anjos. Cavaleiro de Cristo. Pelo zelo invulgar como procedeu e pela demonstração de coragem diante do perigo. Colecção particular

Reverendo António Rebelo dos Anjos. Cavaleiro de Cristo. Pelo zelo invulgar como procedeu e pela demonstração de coragem diante do perigo. Colecção particular.

O que de heroísmo, de fadigas e de trabalhos suportaram os capelães é assunto, que não cabe nos limites dum artigo. A sua acção com os olhos em Deus, não esperava recompensa humana.

O que é indubitável é que os capelães portugueses se equipararam em patriotismo e zelo apostólico ao clero francês, em prudência e valentia ao inglês e alemão.

Para mostrar o prestígio dos nossos capelães, basta citar um facto passado em Brest.

Um dia os aliados resolveram fazer uma festa com grande pompa na catedral de Saint Louis. Para essa festa foram convidados generais, almirantes, o perfeito marítimo de Brest, e tudo que de grande havia na capital da Bretanha.

Reverendo Dr. Luís Lopes de Melo. Cruz de Guerra. Pela maneira como procedeu na ambulância 1, ao ser bombardeada, pela decisão que mostrou e pelo denodo com que serviu. Colecção particular

Reverendo Dr. Luís Lopes de Melo. Cruz de Guerra. Pela maneira como procedeu na ambulância 1, ao ser bombardeada, pela decisão que mostrou e pelo denodo com que serviu. Colecção particular.

Igualmente foram convidados os exércitos aliados. Havia ali 200 000 americanos, muitos franceses, ingleses e portugueses em pequeno número. Havia 8 capelães católicos americanos, vários franceses e alguns ingleses. Só Portugal tinha um único capelão para ali mandado, com sacrifício do front, para combater 5 capelães protestantes, que, dentro em pouco, abandonavam a cidade, e deixavam toda a acção religiosa dos nossos soldados na mão do nosso capelão.

Quem presidiu a festa tão selecta? O capelão português; tal o prestígio que o nosso padre obteve em terras de França!

O pobre pequeno núcleo de capelães portugueses em toda a parte soube impor-se pela sua linha moral, pela sua conduta, pelo seu sacrifício, pela sua ilustração, pelo seu zelo, o que nunca lhe foi reconhecido nem por gregos nem por troianos.

Cónego José do Patrocínio Dias. Chefe dos Capelães Militares, louvado porque prestou importantes serviços, fazendo curativos, e mostrando zelo e abnegação. Colecção particular.

Cónego José do Patrocínio Dias. Chefe dos Capelães Militares, louvado porque prestou importantes serviços, fazendo curativos, e mostrando zelo e abnegação. Colecção particular.

O Corpo de Capelães Portugueses é a unidade mais citada e condecorada do C.E.P.; ganhou as suas condecorações pelos actos de abnegação, heroísmo e desprezo da vida, que praticou*.

O maior factor moral do nosso C.E.P. foi o capelão português! Para provar esta afirmação, tenho muitos casos.

Quantos espíritos abatidos pela sua prolongada permanência nas trincheiras se não fortificaram e se transformaram em heróis, devido à acção do capelão? Quantos, sem religião, não encontraram, no irmão capelão, o animador do seu espírito abatido, o enfermeiro zeloso dos seus males, o lenitivo para as suas lágrimas e dores?

Padre Abel Figueiral. Colecção particular

Padre Abel Figueiral. Colecção particular.

A história dos capelães no C. E. P. há de fazer-se para bem do nossos esforço na guerra, para honra da religião e estigma de alguns fariseus.

O capelão era o pai de todos os que sofriam, o companheiro da suas mágoas, o participante das suas tristezas, o irmão mais velho, que para todos sorria, a todos aconselhava e por todos se sacrificava.

No fragor da batalha era o primeiro a dar um passo em frente, para animar e socorrer os soldados; nos postos avançados era o cura das almas, o enfermeiro, o representante dos antes queridos distantes, que a todos confortava.

Nas horas da bonança, nos templos improvisados ou ao ar livre, era o representante de Deus, que a todos animava, o pai benévolo que a todos perdoava, o patriota que a todos insuflava amor à Pátria, à família, e respeito pela farda, que todos vestíamos.

Padre Manuel Lopes Ferreira. Colecção particular

Padre Manuel Lopes Ferreira. Colecção particular.

O capelão português pode dar, aos capelães de todos os exércitos, exemplos de sacrifício, de sofrimento sofrido estoicamente.

Quem sustentou a «Casa do Soldado» de Lavantie, destruída no 9 de Abril?! O capelão. Um capelão a organizou e sustentou do seu bolso. Ali encontravam os soldados e sargentos portugueses um refúgio à intempérie da Flandres.

Tinham fogões para se aquecer, instrumentos para tocar, jogos diversos, jornais portugueses de todas as cores para ler, livros, cigarros, bolos e vinhos portugueses. No fim de cada semana, os que se distinguiam tinham camisolas ou ceroulas de lã, etc.. Nunca esse capelão recebeu da Assistência Religiosa qualquer auxílio para tal benefício.

Capelão francês. Altar improvisado num armão de artilharia Colecção particular

Capelão francês. Altar improvisado num armão de artilharia Colecção particular.

Uma capela e o seu capelão francês. Colecção particular

Uma capela e o seu capelão francês. Colecção particular.

Capelães franceses. Colecção particular.

Capelães franceses. Colecção particular.

Capelão alemão. Colecção particular

Capelão alemão. Colecção particular.

Capelão alemão. Colecção particular

Capelão alemão. Colecção particular.

Capelão belga com a sua montada. Colecção particular

Capelão belga com a sua montada. Colecção particular.

Capelão inglês administrando a extrema unção Colecção particular

Capelão inglês administrando a extrema unção Colecção particular.

A tolerância do clero português e sua imparcialidade foram várias vezes postas à prova. Eis um caso:
Em Vieille Chapelle, pela retirada do exército inglês, ficou uma igreja e uma cantina protestantes.
Um dia vem-me dizer, que acabara de chegar do Brasil um missionário protestante para pregar aos nossos soldados. Pouco depois o padre protestante veio convidar-me para, na igreja protestante, presidir à primeira conferência do tal missionário. Se não aceito, nunca mais lá entrava, se aceito havia o perigo do desconhecido e do que iria passar-se. Aceitei, pedi ao sr. coronel Reis e Silva, comandante da 3.ª Brigada, para comparecer com o seu Estado Maior e mandar a música do 14. Tudo correu conforme os meus desejos. À hora marcada iniciou-se a sessão pelo discurso do pastor protestante, que se referiu elogiosamente à minha acção. Depois levantei-me para apresentar à assembleia o missionário protestante. este falou largamente sobre o Brasil e a acção protestante; mas de forma a não me magoar. Terminado o discurso levantei-me para falar. Sei simplesmente, que depois do meu discurso, na igreja protestante, nunca mais ninguém ali fez conferências instrutivas, senão eu.
Ali como em Brest, onde fui levado por uma missão delicada e difícil, as relações entre católicos e protestantes foram sempre as mais cordiais. Muitos serviços prestei às cantinas protestantes, que, sem auxílio do C. E. P., não poderiam cumprir a sua missão.

Fomos pessimamente recebidos em França, vigiados, espionados, e a princípio perseguidos; mas acabamos por triunfar e provar que o clero português sabe sacrificar-se pela sua Pátria e pela sua Religião.

Sentado: J. Barjona de Freitas, camachista; à sua direita Júlio Rodrigues da Costa, livre pensador e revolucionário republicano; à esquerda Padre Avelino de Figueiredo. Todos amigos, porque dizem eles, acima de tudo são por- tugueses e só pensam na sua Pátria. Colecção particular

Sentado: J. Barjona de Freitas, camachista; à sua direita Júlio Rodrigues da Costa, livre pensador e revolucionário republicano; à esquerda Padre Avelino de Figueiredo. Todos amigos, porque dizem eles, acima de tudo são portugueses e só pensam na sua Pátria. Colecção particular

A nossa acção foi tão evidente, e tão apreciada, que foi a grande alavanca, com que se construiu a união entre a Igreja e o Estado em Portugal. É devido ao nosso trabalho e porte no C. E. P., que a política e a religião vivem no nosso país, de mãos dadas, e ajudando-se mutuamente. A má vontade, pois, que nos recebeu, transformou-se em amizade, e a benevolência de todos até dos irreligiosos. Os capelães do C. E. P. jamais esquecerão as provas de estima e amizade, que receberam dos oficiais e soldados portugueses.

Só um facto, para terminar, para provar esta afirmação.
Quando desembarquei no Entreposto de Santos, um motorista militar e desconhecido, acercou-se de mim e perguntou se trazia bagagem ou coisas sujeitas a alfândega.
Respondi-lhe que trazia a minha mala, a bicicleta, recordações da guerra, tais como granadas de diversos formatos, uma arma alemã, etc. Ele foi ao meu camarote, carregou tudo aos ombros e pôs no camião do Estado. Dali foi levar, o que me pertencia, única riqueza, que me deixou a guerra à Ordem Terceira de S. Francisco da Cidade, onde fui recebido por esmola e onde comi sopa dos pobres, durante oito meses até ganhar para poder comer e alugar um quarto. No dia seguinte voltei ao Entrepostos de Santos, para gratificar o gentil motorista. Quando me dispunha a abrir o dólman, para gratificar este filho do povo, que eu não conhecia, perfilou-se, fez-me a continência e exclamou: «Ó meu alferes, vai ofender-me, não aceito nada, porque sei o que fez por meus irmãos em França!»

O seu reconhecimento pagou de sobra tudo, o que eu possa ter feito pelo meu país e pelos meus queridos e inolvidáveis soldados, sempre tão obedientes e valentes”.

Padre Avelino de Figueiredo

In: Revista “Defesa Nacional” de 1936

*Outros sacerdotes portugueses receberam igualmente recompensas aos seus altos feitos e foram ainda condecorados com a Cruz de Guerra os reverendos Manuel Caetano, pelo seu assombroso sangue frio na batalha do 9 de Abril, e o cónego Álvaro dos Santos, pelo mesmo motivo. Também receberam louvores mais alguns padres portugueses e entre eles o reverendo padre Avelino Simões de Figueiredo.

Coordenação e iconografia: Manuel Ribeiro Rodrigues

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