CONTROLADORES AÉREOS AVANÇADOS EM COMBATE
Por Miguel Machado • 22 Dez , 2008 • Categoria: 04 . PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XXI Print
O Afeganistão continua na ordem do dia e alguns países europeus reforçaram substancialmente os seus contingentes no terreno nos últimos meses. E não apenas com “botas no chão” (i), aquilo que por lá faz mais falta, mas também com importantes meios aéreos, quer de asa fixa quer rotativa, muitos dos quais UAV.
A participação portuguesa tem variado ao longo dos anos tendo este mês de Dezembro de 2008 sofrido nova alteração. O Destacamento Aéreo C-130 acaba de terminar mais uma missão neste país, agora de 4 meses. Por outro lado foi anunciado que em Março 2009 uma equipa sanitária dos três ramos das Forças Armadas – com 15 militares – voltará ao Afeganistão.
O Exército Português, sobretudo através dos comandos e pára-quedistas da Brigada de Reacção Rápida, assumiu durante 3 longos anos grande parte do “encargo” que o país assumiu em nome da luta contra o terrorismo. O empenhamento nacional naquelas paragens já tinha como se sabe começado bem antes e mesmo para uma opinião pública não muito atenta ao que se passa naquele país, sempre se vai sabendo que Portugal está envolvido na operação que a NATO leva a cabo no território; que militares portugueses já lá faleceram e ficaram feridos. Agora que a Força Aérea Portuguesa manteve no terreno, durante os mesmos 3 anos um Destacamento de Controlo Aéreo Táctico que combateu, ombro a ombro com as forças de elite do Exército, para destruir a capacidade militar dos Talibãs, já é menos conhecido. Vamos ver o contributo destes militares altamente especializados para o desenrolar das acções de combate que ali se desenrolaram.
O apoio veio do ar
Este destacamento habitualmente designado pela sigla em inglês TACP (Tactical Air Control Party) esteve constituído por duas equipas de 3 militares cada, e ainda um especialista em manutenção electrónica que apoiava ambas. Cada equipa tinha um controlador aéreo avançado, o FAC (Forward Air Controller) que recentemente entre os americanos se começou a designar Joint Terminal Attack Controller.
Não havendo jornalistas portugueses no terreno pouco se soube sobre o que por ali se passava, sobretudo quando não havia mortos ou feridos graves. Muitas acções do contingente português passaram despercebidas.
Alguns exemplos para ilustrar a realidade ali vivida. Em Maio e Junho de 2007 as forças portuguesas no Afeganistão foram mais uma vez empenhadas em acções no Sul do país, na região de Kandahar, distrito de Zhari, um dos mais mortíferos para as tropas da NATO. Grupos de combate portugueses acompanhados por equipas do TACP foram atacados, responderam ao fogo dos “insurgentes” e de imediato o apoio aéreo era pedido, literalmente debaixo de fogo. Nas duas ocasiões as aeronaves aliadas chegaram bem rápido, mas apenas em uma delas houve identificação positiva de alvos por parte do piloto, o que permitiu “varrer” a zona.
Numa acção anterior, em Maio, um grupo de combate português incluindo a equipa do TACP, deslocava-se em movimento apeado, armas e rádios às costas, quando foi emboscado. Respondem ao ataque, colados ao solo, e o apoio aéreo foi de imediato pedido. Aviões B-1 que estavam perto em patrulha logo são desviados para o local mas não lhes foi possível identificar agressores. As operações aéreas desviam para a região outras aeronaves com características diferentes, nomeadamente Mirage 2000, os novíssimos Rafale e por fim os temíveis A-10 que sob orientação do FAC português fazem várias passagens a tentar descobrir alvos. A região é habitada e não permite uma intervenção isenta de riscos para a população. As aeronaves não abrem fogo mas também – eventualmente até pela sua acção dissuasora – os insurgentes deixam de actuar.
Apoio Aéreo Próximo
Na generalidade dos locais onde as forças multinacionais operaram, em caso de emergência o apoio aéreo chega num intervalo de tempo que raramente ultrapassa os 15 minutos. E os insurgentes sabem isso por experiência própria.
Tal é de facto possível porque na actual fase da operação, estão a voar sobre o Afeganistão, durante as 24 horas do dia, em média, mais de 70 parelhas de aviões de diversos tipos. Embora haja pouco essa noção a realidade é que actualmente no Afeganistão são efectuadas mais missões – leia-se são lançadas/disparadas munições a partir de aeronaves – do que no Iraque.
E como se desenrola na prática o apoio aéreo próximo às forças terrestres? Qual é o papel dos FAC (e a sua equipa), aqueles que com as “botas no chão” garantem que as armas das aeronaves são direccionadas para os objectivos correctos? Vamos simplificar e tentar explicar como se processam estas missões que têm conquistado uma importância acrescida nos conflitos modernos.
Em primeiro lugar o TACP faz um metódico trabalho de estudo prévio da área de operações de modo a poder elaborar diversos documentos que, partilhados com a componente aérea da operação dão preciosas indicações aos pilotos (e aos próprios militares do TACP que são empenhados numa acção). São sobretudo a escolha e codificação de pontos de referência, tempos de deslocação previstos para colunas auto, distâncias, relevo, caracterização de diversos objectivos prováveis e uma série de dados que, dispostos numa matriz, permitem agilizar uma missão que tem exactamente no tempo e na precisão algumas das suas características mais importantes.
Este trabalho é feito como se compreende em estreita ligação com a força terrestre que vai ser apoiada. E sobre este aspecto que pode parecer simples importa referir que quando se colocam em operações militares de ramos diferentes, nem sempre é fácil chegar-se a um entendimento perfeito. Acresce que não havendo experiência prévia nesta actividade, como aconteceu com a primeira força do Exército que foi empenhada no Afeganistão, muitas oportunidades de emprego dos meios aéreos que estavam disponíveis não foram aproveitadas. Mas as exigências das operações acabaram por mostrar a necessidade deste emprego conjunto e as suas enormes vantagens. E assim o TACP português que inicialmente fazia mais operações em proveito de unidades estrangeiras – é uma das suas características, pode ser empregue com quaisquer forças no terreno – passou a participar em todas as operações da força terrestre portuguesa no Afeganistão em que tal era adequado.
Definida a manobra que se vai executar o TACP aconselha o comandante da força – que tem naturalmente o poder de decisão – sobre o emprego dos meios aéreos. Quer os de asa fixa quer os de asa rotativa, sejam de ataque ou de transporte, de guerra electrónica ou reconhecimento e ainda os UAV([ii]). E o TACP tem que integrar esta panóplia de meios aéreos com as armas terrestres que podem interferir no espaço aéreo, nomeadamente morteiros e artilharia.
Para se ter uma noção do que “há à disposição” no Afeganistão, só em meios aéreos e só no respeitante àquilo que coube ao TACP português, atente-se que os FAC portugueses treinaram e/ou actuaram em missões de apoio aéreo com as seguintes aeronaves: B-1, B-52, A-10, F-15, F-18 e AH-64 Apache dos EUA; F-16 dos EUA, Bélgica, Holanda e Noruega; Mirage 2000 e Rafale de França; Harrier GR7 do Reino Unido.
Durante uma operação pode haver apoio aéreo planeado (XCAS – Preplanned Close Air Support) – por exemplo num determinado horário – ou imediato (ICAS – Immediate CAS), numa emergência. Não tenho dúvidas que o planeamento muito cuidado, mesmo em detalhe, das nossas deslocações nos terá evitado problemas. Para certos locais onde o terreno nos era adverso, e propicio a emboscadas, era usual pedirmos «apoio aéreo planeado», por exemplo, uma «demonstração de força». Só vendo os A-10 ou outros aviões a simular um ataque a baixa altitude, muitas vezes a largar “flares”(dispositivo anti-míssil), se percebe que muito pouca gente terá coragem de lançar um ataque debaixo daquela ameaça, diz-nos um oficial superior pára-quedista que cumpriu uma missão no Afeganistão em 2007.
Mas para além da «demonstração de força» outros tipos de apoio aéreo podem ser executados: A «presença aérea», na qual as aeronaves sobrevoam uma determinada zona prontas a intervir; «Tiros de aviso» que como o nome indica é feito uso do armamento da aeronave mas não no objectivo e, finalmente, o chamado «apoio aéreo cinético» que consiste no lançamento de munições (dos mais variados tipos, sendo hoje a maioria utilizada as chamadas “inteligentes” de elevada precisão) ou o já falado “strafing” (tiro de canhão a baixa altitude).
Quando se trata de apoio aéreo de emergência o controlador aéreo avançado (FAC) no terreno comunica via rádio (sempre encriptado) com as “operações aéreas” do seu comando e faz o pedido. As aeronaves são atribuídas pelo comando das operações aéreas do teatro de operações (que sabe quais as que tem disponíveis e onde) que funciona no…Qatar([iii]), a uns milhares de quilómetros de distância. As aeronaves escolhidas deslocam-se para um local onde o piloto entra em contacto com o FAC e tem lugar, via rádio, um curto “briefing” para elucidar o piloto sobre o alvo e a área circundante.
Para além da matriz já referida com dados relevantes sobre o terreno e os locais onde as forças terrestres poderão estar a actuar – informação que quando existe é passada ao piloto – este dispõe na sua aeronave de um equipamento no qual, em tempo real, visualiza a mesma imagem do terreno que o FAC. Trata-se do Rover III (Remote Optical Video Enhanced Receiver) que tem o aspecto de um pequeno computador portátil. Confere uma enorme facilidade para esclarecer determinadas informações sobre o terreno, edifícios, e outros aspectos no solo, simplificando e acelerando a troca de informações com o piloto e conferindo uma certeza e confiança muito maior de parte a parte. Ao falar com o piloto eu sei que ele está a ver o mesmo que eu, diz-nos o major Freire, que foi um dos dois primeiros FAC portugueses a servir no Afeganistão a partir de Agosto de 2005 e onde permaneceu até hoje, em três missões separadas, um total de 15 meses. Antes tinha estado no Kosovo em 2001 e faz-nos notar agora algumas diferenças entre os dois teatros de operações. Desde logo o facto de aqui estarmos num local onde a ameaça é muito maior, sem comparação. Depois o estarmos integrados na restante força nacional em proveito da qual cumprimos actualmente a maioria das missões, enquanto no Kosovo actuávamos de modo autónomo e sobretudo para apoiar forças de outros países. No plano do material o grande avanço foi a utilização do ROVER III que os USA colocaram à nossa disposição e que é um equipamento extraordinário.
Quando o FAC fala com o piloto tem o cuidado de lhe fornecer rumos, de entrada e saída do objectivo, distâncias, sem nunca lhe dar a posição da sua localização. Na realidade embora estas comunicações sejam encriptadas e em principio não possam ser escutadas, nunca se sabe. No entanto os rumos definidos devem garantir que a aeronave nunca possa utilizar as suas armas sobre as nossas tropas. Quando o FAC transmite ao piloto cleared hot (pode lançar nesta passagem) as “forças amigas” nunca deverão estar dentro das distâncias de segurança previstas para cada tipo de munições que a aeronave vai utilizar, o que é naturalmente do conhecimento do FAC.
No ataque a objectivos bem definidos nos 30 segundos que precedem o ataque o FAC “ilumina” o alvo com um feixe laser emitido pelo GLTD (Ground Laser Target Designater), o qual depois é captado pelos sensores do avião e através dele é feito o guiamento das munições até ao alvo. Além dos rádios PRC 117 para comunicação com as aeronaves (adquiridos já depois de iniciada a missão no Afeganistão) e outros rádios para comunicações dentro do destacamento e com as forças terrestres, e do GLDT, os FAC transportam também nas viaturas ou “às costas”, GPS, telémetros e dispositivos de visão nocturna que permitem cumprir estas missões à noite. O nosso técnico de manutenção electrónica não pode ser um curioso tem que ser altamente especializado para nos resolver os problemas no local, sem ele a actividade pára, até pelas condições do terreno que são extraordinariamente agrestes, com temperaturas entre os 60º e os – 20º, além de poeiras, neve, e tudo aquilo que se possa imaginar e danifica os equipamentos, refere o major Freire.
Efectuado o lançamento das munições cabe ao FAC fazer a avaliação dos seus efeitos e comunicar com o piloto para se coordenar nova “largada” ou dar por finalizada a missão.
Da nossa conversa com o major Jorge Freire fica, além de tudo o já referido, a noção que o controlo dos chamados “danos colaterais” é levado muito a sério. Mesmo ao extremo diríamos. Os equipamentos nas aeronaves permitem uma visibilidade do terreno com uma definição extraordinária, ao “homem”. Parte das vezes é possível identificar se o homem (que naquelas paragens nunca está fardado, note-se, mas sim vestido como um normal camponês) está armado. Nos casos de identificação positiva (de um “insurgente”), aí sim, é feito tudo para o liquidar, mas em caso de tal não ser seguro, não se abre fogo conscientemente sobre desconhecidos. Claro que a guerra não é uma ciência exacta e há acidentes quer com vítimas civis quer com militares das “forças amigas”. O FAC está lá, também, para as evitar.
OS DESTACAMENTO DE CONTROLO AÉREO TÁCTICO DA FORÇA AÉREA
O primeiro empenhamento em operações de um TACP da FAP teve lugar na Bósnia-Herzegovina em 1996 (Março a Dezembro) na força da NATO a Implementation Force (IFOR). Nesta missão o TACP utilizou viaturas blindadas Condor adaptadas para esta finalidade e os FAC eram inicialmente pilotos aviadores que haviam recebido formação no estrangeiro para cumprir estas tarefas. Em Portugal como em outros países começaram por ser pilotos a desempenhar no solo estas funções de controlador aéreo avançado. Com o número de missões a aumentar, os problemas com a qualificação dos pilotos após as missões e a falta destes para cumprir as suas missões primárias, a Força Aérea, à semelhança de muitas das sua congéneres decidiu formar outros militares nesta área. Em 1999 teve lugar em Portugal o primeiro curso de Controlador Aéreo Avançado e na missão da NATO levada a cabo pela KFOR (Kosovo Force) o TACP português já integra estes militares. No Kosovo actuaram 13 TACP da Força Aérea entre Julho de 1999 e Fevereiro de 2002, os quais utilizaram as mesmas viaturas Condor. Mais tarde no Afeganistão nova alteração ao perfil dos FAC que deixam de ser apenas oficiais. Os sargentos passam também a poder frequentar o curso e actualmente além dos pilotos que podem continuar a ser FAC (e um esteve recentemente em missão no Afeganistão nestas funções), também oficiais e sargentos de outras especialidades o são. Além do curso em Portugal ao chegarem ao teatro de operações os FAC recebem uma formação destinada a serem certificados para operar com a ISAF (International Security Assitance Force). O TACP português (PRT) na ISAF adquiriu ele próprio o estatuto de “entidade certificadora” da NATO tendo já certificado FAC de vários países à sua chegada ao Afeganistão, nomeadamente italianos, americanos, ingleses, espanhóis, franceses, noruegueses, holandeses e belgas. O TACP PRT no Afeganistão optou por utilizar 2 viaturas M-11 Panhard cedidas pelo Exército (armadas e equipadas pela Força Aérea) por uma questão de uniformidade de equipamento, de manutenção e tácticas, uma vez que a força actua sobretudo em proveito do contingente nacional. |
[i] Esta designação em inglês, “boots on the ground”, tem sido usada nos últimos anos para designar de um modo geral os militares que combatem no terreno. Os que de facto estão com as botas no chão. Ao que foi possível apurar pelo menos desde 1980 militares e políticos usaram esta expressão pontualmente nos EUA. Foi contudo popularizada em 2003 com a publicação do livro Boots on the Ground: A Month with the 82nd Airborne in the Battle for Iraq, de um jornalista americano, Karl Zinsmeister. Hoje até o Exército dos EUA a usa, por exemplo, em campanhas promocionais.
[ii] A força portuguesa utilizou os “serviços” deste tipo de aeronaves, por exemplo, cedidas por canadianos na região de Kandahar.
[iii] O Combined Air Operations Center (CAOC) na Base Aérea “Al Udeid” no deserto junto a Doha.
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