AS “ASAS” DA MARINHA PORTUGUESA
Por Miguel Machado • 24 Mai , 2013 • Categoria: 03. REPORTAGEM PrintComo esta secção do “Operacional” se designa «Ontem foi notícia – Hoje é história», parece-nos adequado publicar aqui esta reportagem feita na Esquadrilha de Helicópteros da Marinha em 2006. Passaram quase 7 anos mas estando a unidade a assinalar os seus 20 anos de vida, pareceu-nos boa altura para publicar o que era a unidade naquele momento. É o retrato daqueles tempos.
Montijo, “covil dos linces”
No interior da Base Aérea n.º 6 no Montijo, junto a um braço do Tejo, os Lynx da Marinha e respectivas tripulações tem a sua casa, a Esquadrilha de Helicópteros da Marinha (EHM).
Sob o comando do Capitão de Mar-e-Guerra Rui Marim e com um total de 130 militares, o produto operacional da EHM são dois destacamentos de embarque a dois helicópteros cada. Trata-se de um objectivo nem sempre fácil de alcançar face ao número total de aeronaves disponíveis: 5. Mas a realidade é que a maior parte das vezes apenas uma aeronave embarca. Sendo um número “curto” o certo também é que fruto dos ciclos de manutenção, nem sempre as três fragatas onde eles embarcam estão a navegar e como em condições normais apenas um Lynx embarca, não costuma haver grandes problemas.
Treino duro combate fácil
Um jovem que termina a Escola Naval, onde são formados os oficiais da Marinha Portuguesa e pretende ser piloto, depois da sua formação académica na Classe de Marinha, já oficial, cumpre um período de um a três anos em navios de superfície, após o que pode então oferecer-se para piloto naval.
Depois dos testes físicos, médicos e psicotécnicos segue para a Força Aérea, onde, na Base Aérea n.º 11, em Beja, vai iniciar a sua nova formação. Primeiro em “asa fixa”, no Curso Básico de Pilotagem, em aeronaves Épsilon TB30, e de seguida em “rotores”, no Curso Básico de Asa Rotativa, em Alouette III.
Terminado este período que tem uma duração de 2 anos, os pilotos regressam à Marinha e iniciam no Centro de Instrução de Helicópteros (CIH) da EHM, a “Conversão ao Lynx”. Esta fase dura 150 horas de voo na aeronave que irão pilotar nos próximos anos, o Westland Super Lynx Mk 95.
No CHM formam-se pilotos de voo (o que se senta à direita) e pilotos tácticos (à esquerda) e treina-se o regime normal (na esquadrilha) e embarcado (numa das fragatas “Vasco da Gama”). O CIH ministra vários outros cursos quer ao pessoal da EHM, por exemplo no campo da manutenção e dos operadores de sistemas(1), quer a pessoal das fragatas. Estão neste caso os Comandantes e Imediatos que passam por estágios dedicados para se inteirarem sobre todas as variantes do serviço dos helicópteros a bordo; Os oficiais de acção táctica dos navios (responsáveis pela condução táctica das operações); As equipas de convés de voo (os marinheiros que auxiliam a operação dos hélis no convés); A equipa de salvamento de aeronaves no mar (especialmente dedicada e treinada para actuar em caso de amaragem da aeronave).
A actualização técnica, doutrinária e táctica obtém-se ainda através de outras vias, na Marinha, cujos departamentos de instrução fornecem informação disponível, e também fora do ramo. Como nos diz o Capitão-de-Fragata Costa Miranda “A interacção com outras forças europeias nos períodos de 6 meses da «Standing NATO Maritime Group 1» (2) e nas operações reais em que temos estado envolvidos, como a «Sharp Guard» no Adriático ou a «Active Endeauvour» no Mediterrâneo Oriental são sempre oportunidade de aferir as nossas capacidades”. A isto juntam-se as trocas de informação por via da ida ao simulador desta plataforma na Holanda. Continua Costa Miranda, ele próprio instrutor, “Na Air Station Helicopters da base de De Kooy, em Denhelder na Holanda o simulador é usado em simultâneo pelas marinhas da Alemanha, Dinamarca, Holanda, e Noruega. Nós partilhamos uma semana de treino com os alemães, uma vez que a aeronave que usam é em tudo igual à nossa. Para além do treino de análise e resolução de emergências, obviamente que há sempre uma situação de “fórum” de onde também se consegue extrair alguma formação”.
Uma referencia especial para os períodos em que as fragatas desta classe e os respectivos helicópteros, passam no “Operacional Sea Training” da Royal Navy (Marinha do Reino Unido) o qual é antecedido de um período semelhante à responsabilidade da Marinha Portuguesa, e nos quais as guarnições são testadas em condições muitíssimo exigentes. O ciclo operacional das “Vasco da Gama” inclui sempre esta fase de treino antes da atribuição a uma força naval operacional.
O regime embarcado é muito exigente para tripulantes e máquinas. Ali os Lynx voam sobre o mar muitas vezes em condições meteorológicas muito agrestes, a baixa altitude e aterraram numa plataforma altamente instável como é o convés de voo de um navio.
Se a este conjunto de cursos, estágios, exercícios, e operações, juntarmos que muitos pilotos tem permanecido na esquadrilha por períodos acima de 10 anos seguidos, o mesmo se verificando com os operadores de sistemas e pessoal de manutenção, percebe-se a elevada proficiência demonstrada por esta pequena mas altamente especializada esquadrilha, que já cumpriu 15.000 horas de voo sem acidentes.
Missões operacionais
Os destacamentos embarcados, conhecidos por “destacamento” ou “flight”, são o produto final da Esquadrilha, a sua razão de ser. Estes “flight” têm, em condições normais, a duração de 3 anos e são compostos por:
1 Westland Super Lynx Mk 95;
2 Pilotos (1 táctico e 1 de voo);
1 Operador de sistemas (sonar, guincho e recuperador);
9 Especialistas de manutenção (4 sargentos e 5 praças);
Se embarcarem dois aparelhos, este “flight” recebe mais 2 pilotos, 1 operadores de sistemas e 1 sargento e duas praças especialistas de manutenção.
Luta anti-submarina
À data da aquisição destes helicópteros uma das suas missões principais era a luta anti-submarina. O mundo mudou e as ameaças também e naturalmente que os sistemas de armas mais versáteis, como é o caso do Lynx, adaptaram-se aos novos tempos. A EHM continua no entanto a treinar luta anti-submarina mantendo-se pronta para enfrentar esta ameaça.
Para dar uma ideia de como este meio combate a ameaça submarina, atente-se em dois sistemas de detecção e no armamento. Sonar AQS 18V: Trata-se de um grande sensor de detecção submarina, passiva e activa, de profundidade variável (até 300 metros) que o helicóptero pode colocar tacticamente à volta de uma força naval, permitindo ao comandante dessa força cobrir vastas áreas de defesa da força ou para ataque a submarinos. O componente do sonar que entra na água, o “transdutor”, tem um alcance médio, e mediante as condições muito variáveis (temperatura, altura do ano, hora do dia ou noite, localização geográfica, etc) que se verificam num dado local, pode detectar, localizar e seguir o eco obtido: O operador de sistemas a bordo do heli recebe som e o seu sinal visual na consola do sonar. Se a situação táctica o exigir o helicóptero pode atacar o alvo com a sua arma, o torpedo. Em alternativa o alvo pode ser atacado por navios ou outras aeronaves com base na informação obtida pelo Lynx. O torpedo pode ser lançado em voo – velocidades até 110 nós – ou em estacionário e tem um alcance de cerca de 3.200 metros. O sonar serve não só não para detectar, como vimos, mas também para criar pressão em eventuais submarinos que também têm meios para o detectar e assim se retirarem da área. Retira a iniciativa e a surpresa do ataque, constituindo por isso uma dupla valência.
O outro sensor do Lynx, o radar Bendix RDR 1500, permite detectar alvos de superfície até 300 km de distância, tornando-se assim um excelente meio de aviso antecipado contra navios que se aproximem da sua força naval.
Operações de interdição marítima e ameaças assimétricas
Neste tipo de missões para que a Marinha têm vindo a ser solicitada na última década, o helicóptero tem um papel de primeira importância. Operações como o “Sharp Guard”, durante o bloqueio à ex-Jugoslávia no Adriático e a “Active Endeavour” no Mediterrâneo Oriental, foram ocasiões de colocar os Lynx a detectar “alvos suspeitos” e a executar abordagens.
Nestas ocasiões o helicóptero embarca militares do Pelotão de Abordagem do Corpo de Fuzileiros que seguem nas fragatas e, em caso de necessidade, coloca-os a bordo dos navios suspeitos utilizando a técnica do “fast rope” (corda rápida). Depois da verificação ao navio por parte das equipas de abordagem, para confirmar as informações prestadas pelo mesmo ou outras na posse da equipa recebida dos serviços de informações, a saída do navio pode ser feita por bote ou, de novo por ar, utilizando o guincho lateral.
Este guincho é um elemento essencial nas tarefas de busca e salvamento a partir do navio. No continente e ilhas a responsabilidade da Busca e Salvamento (SAR: Search and Rescue) está atribuída à Força Aérea mas qualquer navio a operar em mar aberto tem como missão a salvaguarda da vida humana no mar. Para isso os Lynx usam o guincho e mantém os seus operadores de sistemas qualificados como operadores de guincho (o que fica no helicóptero) e recuperadores (o que vai pendurado na ponta do cabo), podendo assim cumprir este tipo de tarefas quer em proveito da força onde se integram quer de terceiros, civis ou militares.
As agora chamadas “ameaças assimétricas” também têm no Lynx um actor que é utilizado nas tarefas de protecção da força e como plataforma de aviso antecipado. Estas ameaças aos meios navais podem consubstanciar-se, por exemplo, em ataques através de embarcações de dimensões reduzidas e muito rápidas, constituindo o helicóptero, sobretudo quando armado, um excelente meio para as neutralizar.
Missões especiais e evacuação de não-combatentes
Os Lynx em conjunto com equipas do Destacamento de Acções Especiais (DAE) do Corpo de Fuzileiros, têm sido empregues em operações da Policia Judiciária no combate ao tráfico de droga no meio marítimo. Entre vários outros um exemplo de uma destas missões: Em 6 de Fevereiro de 2006, com grande sucesso, a denominada “Operação Atlântida”, resultou na prisão de 17 tripulantes do navio mercante “Luna del Mar” e a apreensão de 2,8 toneladas de cocaína. Este navio largou do Suriname em Dezembro de 2005 e começou a ser seguido por países amigos para, já perto das águas territoriais portuguesas um P-3P “Orion” da Força Aérea Portuguesa passar a fazê-lo, enquanto a fragata “Corte Real”, com dois Lynx embarcados largou para o mar. A 145 milhas ao largo de Aveiro a Policia Judiciária decide-se pelo assalto. Os dois Lynx descolaram de madrugada da fragata levando a bordo 3 equipas do DAE e 3 inspectores da polícia que assaltaram o navio de 133 metros, em segundos neutralizaram os tripulantes e controlaram o navio.
As Forças Armadas levaram a cabo em 1998, na Guiné-Bissau, uma operação de evacuação de não-combatentes. A força era composta por vários navios, nomeadamente a “Vasco da Gama” com 2 Lynx. Muitos nacionais portugueses e de outros países europeus bem assim como muitos guineenses fugidos à guerra civil, foram evacuados para bordo das fragatas e corvetas com destino a Cabo Verde. Os Lynx foram intensamente empenhados quer na evacuação de civis, mesmo do interior do país, quer no transporte de delegações de ambas as partes em confronto para negociações, quer no abastecimento dos fuzileiros desembarcados. Tudo isto num ambiente altamente instável com frequentes violações de cessar-fogo e “balas perdidas” nas mais impensáveis ocasiões.
Em 2000 os Lynx voaram sobre Timor-Leste quando Portugal enviou a “Vasco da Gama” para integrar a força internacional liderada pela Austrália que assumiu o controlo da ainda província Indonésia. Nesse período conturbado, com grupos armados e descontrolados um pouco por todo o lado, mais uma vez os Lynx foram muito empregues e procederam a evacuações de cidadãos em perigo.
Futuro: Aumento da capacidade operacional
A Lei de Programação Militar, aprovada em 2006, reduziu para 1 a aquisição de 2 novos Lynx que estava prevista na lei anterior (2003). A entrega deste novo meio, prevista para 2009, trará alguma capacidade adicional à EHM, especialmente naqueles períodos em que as três “Vasco da Gama” se encontram no mar.
No respeitante ao emprego com as 2 fragatas da classe “Karel Doorman” já adquiridas à Holanda, o Capitão de Mar-e-Guerra Rui Marim diz-nos que “Não apresentam qualquer problema para eventual operação com os Lynx tanto mais que é o mesmo tipo de helicóptero que a Real Marinha Holandesa ali operava.” Quanto ao futuro próximo da esquadrilha e das suas capacidades Rui Marim adianta que “Melhorando a nossa capacidade para operar em ambientes terrestres iremos receber filtros de areia para os motores e em breve chegarão à esquadrilha blindagens e as metralhadoras para aplicar lateralmente nos helicópteros. Todos estes elementos conferem-nos mais capacidade e segurança para enfrentara as novas ameaças do combate assimétrico e das operações especiais para as quais temos sido e certamente continuaremos a ser solicitados“.
(1) Tripulantes, sargentos ou cabos – profissionais – com esta tripla valência: operar o sonar, o guincho e ser recuperador.
(2) Anteriormente designada STANAVFORLANT (Standing Naval Force Atlantic), é uma força composta por 8 a 10 fragatas e destroyers, habitualmente activada por períodos de 6 meses, prioritariamente no Atlântico Norte, durante os quais procede a intensos exercícios quer sozinha quer com navios de outros países não-NATO.
Nota: recordamos que este texto foi escrito em 2006.
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