ARTILHARIA PORTUGUESA NA “NATO RESPONSE FORCE”
Por Miguel Machado • 28 Abr , 2015 • Categoria: 04 . PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XXI, EM DESTAQUE PrintUma bateria de artilharia da Brigada de Reacção Rápida está de novo atribuída às forças da NATO mantidas em elevado grau de prontidão. Depois de um ano de formação e treino – apetece repetir, os Exércitos não se improvisam! – foi avaliada, primeiro pelas autoridades nacionais, depois pelas da Aliança, e está neste momento em stand-by para eventual emprego no exterior do território nacional. Fomos ver o seu treino operacional e os elevados níveis de prontidão em que se encontra.
A NATO Response Force pode mesmo ser empregue
Não sendo uma novidade no Exército, a inclusão deste tipo de unidade numa “NRF” – é mesmo a terceira vez que isto acontece – a realidade é que a degradação das condições de segurança na Europa, as ameaças que de algum modo nos cercam e as solicitações externas, tornam a previsibilidade de emprego real…mais real! E este factor faz muita diferença quer nos patamares superiores de decisão, por exemplo na atribuição de recursos para treino, que aqui não têm faltado, dizem-nos, quer no modo como os próprios militares que integram a unidade encaram o seu empenhamento. Todos sabem, por exemplo, que o Esquadrão de Reconhecimento da Brigada de Intervenção, transformado em “Recce Coy/FND/AM2015”, está neste momento na Lituânia depois de ter passado por um processo semelhante. Nada nos diz para já que vai acontecer, mas há essa probabilidade bem real, e aí reside a diferença em relação ao que vinha acontecendo desde 2004 com as participações nacionais na NATO Response Force.
Exercício “Trovão 151”
De 13 a 20 de Abril de 2015, no Campo Militar de Santa Margarida, o Grupo de Artilharia de Campanha da Brigada de Reacção Rápida (GAC/BrigRR), cuja unidade onde está baseado é o Regimento de Artilharia n.º 4 (Leiria), levou a cabo o exercício “Trovão 151”, o qual teve como objectivo principal permitir o treino orientado para as missões de Peace Support Operations, Disaster Relief e Collective Defence, com a realização de fogos reais de obus, da “LightArtBty/NRF2015” (Bateria de Artilharia Ligeira), constituído a partir de uma das suas baterias de bocas-de-fogo.
Este exercício como se percebe pelo acima referido foi mais, muito mais, do que uma sessão de fogos reais. Os artilheiros desta força treinaram em Santa Margarida, além das suas “funções habituais”, uma série acções que estamos habituados a ver nas unidades de infantaria empenhadas em missões exteriores, tais como escoltas, operação de check-points, patrulhas apeadas e motorizadas, processamento de refugiados e outras. O que pode ser pedido a uma unidade deste tipo no decurso de uma operação real, simplificando, pode passar por “encostar” o Light-Gun e pegar na Galil. Claro que a principal missão da bateria será sempre o uso dos obuses M-119, Light-Gun, mas…nunca fiando!
Em boa verdade o comando do GAC/BrigRR e alguns dos seus meios e pessoal, foram empenhados apenas para permitir o treino da bateria, objectivo primeiro deste “Trovão 151”, uma vez que em caso de emprego real a bateria partirá sozinha. Foi realizado com base num cenário adaptado dos dois próximos exercícios de grande envergadura que estão no horizonte, o “Orion” (nacional) e o “Trident Juncture” (NATO). Este último, que se desenrolará em Portugal, Espanha e Itália nos próximos meses de Outubro e Novembro, será segundo o EMGFA “o exercício mais importante da NATO dos últimos anos, a projeção, marca a alteração da postura da Aliança Atlântica das grandes operações no terreno para a contingência onde, aspetos como a sustentação e a interoperabilidade de Forças, passaram a ser os objetivos a atingir, representando no seu conjunto o maior teste de sempre para a NATO e para as suas forças NATO Response Force (NRF)”.
Não vamos entrar no cenário concreto do exercício mas apenas referir que prevê procedimentos já por várias vezes realizados em casos reais. Perante a degradação da situação político-militar num país, a Aliança Atlântica decide lançar uma operação e solicita ao nosso país o empenhamento de unidades das “Immediate Response Forces/NATO Response Force 2015”, entre elas a “LightArtyBtr/NRF 2015”. Esta irá ser integrada num Grupo de Artilharia multinacional que apoia uma Brigada, naturalmente também multinacional. Assim, um dos batalhões de infantaria dessa brigada passará a receber o apoio de fogos terrestres da nossa bateria e é junto das unidades de infantaria que as Equipas de Observadores Avançados (OAv) da “LightArtyBtr/NRF 2015” actuarão. E aqui desde logo uma nota sobre o que vimos e que acompanha a actividade desta bateria, o uso da língua inglesa. Não é só a designação da força, a actividade operacional é executada (as comunicações, escritas e faladas) nesta língua, condição sem a qual a integração com sucesso numa futura operação seria muito dificultada.
Ritmo elevado, precisão e segurança
Diz-nos o Capitão Aires Carqueijo, 31 anos de idade, 12 de serviço militar, comandante da bateria, ao sexto dia de exercício, “...temos nesta bateria 120 militares e 34 viaturas, o que é um pouco mais do que o normal da bateria na Brigada de Reacção Rápida, pois dada a missão NRF, fomos reforçados em áreas como o apoio logístico e apoio médico,… …o ritmo imposto ao exercício tem sido elevado, mudamos de posição cinco ou seis vezes por dia, temos feito fogo de dia e de noite, está a ser um bom treino…”. E, acrescentamos nós, exigente até do ponto de vista físico! Os obuses são realmente rebocados pelo Unimogs, mas só isso, todo o manuseamento das armas para as colocar/retirar das posições e das munições, das viaturas de reabastecimento e por vezes para as viaturas das secções/armas se a mudança de posição imposta pela táctica surpreende, tudo é feito “à mão”. E com o volume de fogos realmente executado (centenas de disparos reais por dia) são muitos quilos a passar pelas mãos das guarnições, muitas vezes em situação de urgência. Continua Aires Carqueijo, “…neste exercício e na preparação em geral da bateria como NRF, que já vai longa, temos tido os meios humanos e materiais, nomeadamente munições, sem qualquer problema… … fiz parte, em diferentes funções, de todas as NRF’s que a artilharia portuguesa tem preparado, (Comandante da Bateria de Tiro, em 2009, NRF14, 2.º Comandante, em 2011, NRF 17, e agora Comandante da LightArtyBtr/NRF 2015) posso dizer que estamos com um bom nível… …fizemos um conjunto enorme de exercícios durante o ano de 2014, quase um por mês, fomos avaliados numa CREVAL (*) nacional em meados do ano quando terminamos a primeira fase da preparação, e depois já em Novembro, aliás também aqui em Santa Margarida, com a chamada avaliação internacional no exercício “Trovão 142”, onde estiveram presentes a convite do Exército Português dois observadores estrangeiros vindos do HQ/LCC/NRF2015(**), um americano e outro holandês”.
Sistema automático
A bateria está em movimento, dirige-se para nova posição previamente reconhecida pelo Capitão Aires Carqueijo, que a aguarda. Chega ao local, os obuses rapidamente são desatrelados e enquanto as guarnições apontam as armas na direcção definida – cada obus é apontado a três locais diferentes, balizas, colimador e ponto afastado –, tratam da camuflagem e de descarregar as munições, o condutor trata da camuflagem da viatura e da segurança à retaguarda. Ninguém para, os movimentos são rápidos e precisos, aqui e ali um comandante de secção levanta a voz por instantes, percebe-se nesta nova mudança de posição da bateria que os dias e o ritmo do exercício, aperfeiçoaram a técnica, conferiram rapidez aos processos, mas pesam nos braços!
Apontadas as armas, camufladas, descarregadas munições, recebem dados para fazer fogo, primeiro de regulação e depois em várias modalidades, tendo em vista atingir os alvos/zonas indicados pelos observadores avançados que estão com as unidades a ser apoiadas. Aos comandantes das seis secções Light Gun chegam via radio, à voz – ou como dados escritos num terminal portátil (Gun Display Unit) – as indicações necessárias para os apontadores introduzirem dados nos aparelhos de pontaria dos obuses e para determinar o tipo de munições e cargas a utilizar (e assim atingir os alcances necessários). Os artilheiros sabem que a uma dezena de quilómetros dali, uma unidade de infantaria aguarda ansiosa pela chegada da torrente explosiva sobre o inimigo.
A cada ordem que chega, através do Sistema Automático de Comando e Controlo (SACC), os movimentos das guarnições são rápidos e precisos, às indicações dos sargentos os praças das guarnições procedem com desembaraço, não há ali grandes dúvidas tudo funciona com rapidez e precisão. Trata-se de uma actividade onde impera a segurança, quer com as munições – reais – quer com o manuseamento dos componentes do obus, um erro, uma dessincronização entre militares, pode significar um ferimento grave.
O SACC, como nos diz o Capitão Moreira dos Santos, 35 anos de idade, 16 de serviço militar, oficial de informações do GAC/BrigRR, “…permite o comando e controlo da unidade em duas grandes áreas, a direcção técnica do tiro transformando os pedidos de tiro dos observadores avançados em dados para as armas, em termos de direcção, elevação e graduação das espoletas, e também a direcção táctica com gestão de missões de tiro, escolha de munições adequadas a cada objectivo, tudo isto de modo automático, com os dados a serem transmitidos via radio de modo seguro.” E continua explicando a finalidade exacta de cada um dos 4 componentes do sistema:
Advanced Field Artillery Tactical Data System (AFATDS); Battery Computer System (BCS); Forward Observer System (FOS); Gun Display Unit – Replacement (GDU-R).
Observadores avançados
Ninguém na bateria sabe o que se segue no decurso do exercício, nem o comandante. Têm que aguardar os pedidos de tiro dos observadores avançados (OAv). Estes são a capacidade visual de aquisição de objectivos da força. O exercício é o mais realista possível e a direcção informa estes oficiais e sargentos OAv sobre a situação na sua frente, e para cada cenário apresentado, cabe-lhes decidir que tipo de apoio vai ser prestado, e fazer então os pedidos de tiro para a bateria. A lista é grande, mas simplificando, pode ser para atingir a frente de combate com as nossas tropas abrigadas (o que permite colocar as granadas a cair mais perto…), ou a descoberto, atingir a retaguarda imediata das forças inimigas para estas não receberem reforços, fogos convergentes sobre um alvo de grande valor num local determinado, vários tipos de granadas, e por aí fora. São 3 equipas de observadores avançados, cada com um oficial, um sargento e uma praça condutor, que poderiam ser empregues separadas, uma para cada companhia de infantaria apoiada, ou em conjunto, como neste caso que assistimos, para treino. E, em boa verdade, não estávamos com companhias na linha da frente, mas num posto de observação, protegido, a cerca de 700m na zona de impactos.
Aqui, o Capitão Diogo Serrão, 34 anos de idade, 16 de serviço, supervisiona a actividade das equipas de OAv e vai dizendo “a brigada quer conquistar o objectivo… …acham que devem fazer um pedido de fogos para desgastar o inimigo, impedir resposta ou movimentos?…” e enquanto os OAv respondem, repentinamente introduz um dado novo “…a nossa bateria está a ser alvo de fogos da artilharia inimiga, qual é a prioridade agora?” Todos respondem “fogos de contra-bateria”, o que deixa o Capitão satisfeito! Se a nossa bateria está directamente ameaçada há que neutralizar quem o está a fazer e só depois continuar a operação.
Estes observadores têm experiência tanto mais que a força tem treinado bastante, um deles, o Tenente Cristóvão Fernandes, 33 anos de idade, 13 de serviço, relembra que “…no exercício de Novembro último também participaram nas missões de apoio de fogos reais, uma equipa de Controladores Aéreos Avançados da Força Aérea Portuguesa e uma equipa idêntica holandesa, para coordenar a integração do apoio aéreo próximo neste apoio de fogos terrestres…“.
Todos os elementos de uma das Equipas de OAv (Oficial, sargento e Praça) são qualificados com o curso de pára-quedismo militar, podendo acompanhar os Batalhões de Infantaria Pára-quedista, mesmo em missões que incluam saltos em pára-quedas.
Conclusão
O dia já vai longo, a noite caiu e o Tenente-Coronel de Artilharia Pára-quedista, Vicente Pereira, 45 anos de idade, 27 de serviço, comandante do GAC/BrigRR, em jeito de síntese conclusiva desta nossa passagem pelo Trovão 151 diz-nos, com os estampidos de novos pedidos de tiro a serem executados pela bateria em pano de fundo: “…a LightArtyBty/NRF2015 está treinada para cumprir o conjunto alargado de missões normalmente executadas por qualquer Força Nacional Destacada sem perder a sua capacidade de actuar como Unidade de Apoio de Fogos se assim for entendido pela Grande Unidade Multinacional a que for atribuída por Portugal…. … a proposta da OTAN para Portugal aumentar o estado de prontidão da LighArtyBty/NRF2015 de 15 para 5 dias de pré-aviso para a projecção, é o reconhecimento da credibilidade do treino efectuado até ao momento e reflecte o empenho do Regimento de Artilharia Nº4 e o apoio da Brigada de Reacção Rápida na preparação de uma Força de Artilharia portuguesa que nunca tinha atingido, no âmbito das NATO Response Force, um estado de alerta tão elevado.”
(*) Avaliação da prontidão para o combate – Combat Readiness EVALuation CREVAL
(**) Quartel-general do Comando da Componente Terrestre da NRF
(***) No final do exercício – um dia depois da nossa visita – contabilizaram-se mais 530 munições disparadas, ou sejam mais de 80 para cada obus.
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