ANGOLA, NOVEMBRO DE 1992: ONDE NECESSÁRIO QUANDO NECESSÁRIO
Por Miguel Machado • 18 Out , 2011 • Categoria: 09. ONTEM FOI NOTÍCIA - HOJE É HISTÓRIA, EM DESTAQUE PrintEste artigo aborda uma operação hoje bastante esquecida mas que permitiu o resgate em Angola de 2.500 cidadãos nacionais e estrangeiros e deu origem ao planeamento sistemático deste tipo de acções pelas Forças Armadas Portuguesas. Mais tarde outras se seguiram.
Estando na altura dos factos colocado na Base Operacional de Tropas Pára-quedistas n.º 2 em S. Jacinto – Aveiro (hoje Regimento de Infantaria n.º 10) tive conhecimento detalhado da parte da operação relativa aos pára-quedistas e menos das outras componentes, fossem também da Força Aérea, da Marinha ou do Exército. O artigo, publicado originalmente na Revista «Boina Verde» em Março de 1993, reflecte naturalmente isso e não se pretendeu diminuir ninguém. Mais tarde por exemplo conheci um dos médicos do Exército que estiveram em Luanda nesta ocasião e fiquei a saber de impressionantes detalhes do extraordinário trabalho que ali desenvolveram. Foi uma operação das Forças Armadas Portuguesas, a primeira a envolver os três ramos das Forças Armadas e também a PSP, através do seu Grupo de Operações Especiais, nesta nova época das missões de paz e humanitárias. Foi também na sua sequência que sofremos a primeira baixa mortal nestas novas campanhas das Forças Armadas Portuguesas: Soldado Pára-quedista Fernando Sérgio da Silva Teixeira.
O Autor: Miguel Silva Machado
ANGOLA, NOVEMBRO DE 1992: ONDE NECESSÁRIO QUANDO NECESSÁRIO
Não sendo uma missão típica para Tropas Pára-quedistas, o envio de trinta «boinas verdes» para S. Tomé, Angola e Congo, a fim de montar segurança a aeronaves da Força Aérea constituiu a prova real da confiança depositada pela alta hierarquia das Forças Armadas, nos militares do Corpo de Tropas Pára-quedistas (CTP).
Angola e os portugueses
O processo político angolano e as trágicas implicações na vida dos povos que aí vivem, tem sido profusamente tratado na generalidade dos órgãos de comunicação social portugueses. Não fazia portanto sentido repetir aqui, o noticiado e analisado oportunamente.
Em Angola vivem e trabalham alguns milhares de portugueses. Uns aí se encontram radicados, outros estão ao serviço de empresas nacionais e estrangeiras, permanecendo no país apenas pelo período do contrato firmado. Outros estão ao serviço dos dois principais partidos políticos locais: o MPLA e a UNITA.
Falsa partida
No final de Setembro de 1992 e com o aproximar da data das eleições angolanas (29 e 30), o Governo Português manda colocar em estado de prontidão, meios militares de alguma monta. De facto, e tendo em linha de conta a escassez de missões operacionais reais, levadas a cabo pelas Forças Armadas nos últimos anos, foi com alguma expectativa que os militares encararam participar numa missão de salvaguarda de cidadãos nacionais num país estrangeiro.
O Corpo de Tropas Pára-quedistas preparou 5 Companhias de Pára-quedistas (-), sendo 3 da BOTP 2 (S. Jacinto – Aveiro) e 2 da BETP (Tancos).
Ainda antes das eleições a maioria esmagadora dos militares portugueses que em Angola tinha participado na formação das novas Forças Armadas Angolanas regressaram a Portugal.
Ultrapassado o acto eleitoral e embora a situação não tivesse ficado clarificada, a tensão alivia e em Portugal o dispositivo mantido de prevenção, é desactivado. Isto porque o treino operacional dos pára-quedistas (Exercício «Júpiter» em Portugal e «Schinderhannes» na Alemanha e Bélgica) estava prestes a iniciar um período de grande actividade.
«Júpiter 92»
O «CPX» do Exercício “«Júpiter 92» realizou-se de 6 a 9 de Outubro e o «Livex» de 19 a 26 do mesmo mês.
Após este exercício parte importante dos especialistas em comunicações e do pessoal habilitado com o Curso de Patrulhas de Reconhecimento, estão empenhados , em Tancos na preparação para o exercício multinacional “«Schinderhannes”».
Em Angola a situação politico-militar agrava-se e em Portugal alguns órgãos de comunicação social, especulam sobre a possibilidade de serem enviadas Tropas Pára-quedistas para assegurar a evacuação dos nossos compatriotas. A situação está de facto a deteriorar-se, há mesmo portugueses assassinados mas, ao mesmo tempo ninguém manifesta o desejo de abandonar o país.
Em S. Jacinto e Tancos, 1.200 militares pára-quedistas regressam do «Júpiter 92». O CTP obtém indicações superiores da não necessidade de manter o pessoal de prevenção e autoriza os seus efectivos a gozar o fim-de-semana em casa. Grande parte do efectivo tinha passado pela prevenção, preparação para o exercício e exercício, tudo seguido. Era o repouso merecido. Só ficam nas unidades o pessoal de serviço e algum “zangado” com a namorada ou com os pais!
Agora é a sério
Na sexta-feira, 30 de Outubro de 1992: é activado em Lisboa, sob as ordens de um general piloto-aviador, um Comando Operacional especifico para a «Operação de Repatriamento» dos cidadãos nacionais e estrangeiros, que se encontrem em Angola e que aí não desejassem permanecer.
Sábado, 31 de Outubro: ao Comando do CTP é solicitado o envio «imediato» de 20 militares para S. Tomé e Príncipe. Missão: «montar segurança aos C-130 e AL III que a Força Aérea vai enviar para a ex-província ultramarina».
Na BOTP 2, em S. Jacinto, Aveiro o Oficial de Dia recebe uma chamada telefónica do Chefe do Estado-Maior do CTP, atribuindo a esta unidade a missão superiormente confiada ao CTP. Após confirmação da veracidade da ordem, não há tempo a perder, são 18H00.
Pelas 18H30, o Chefe do Estado-Maior da BOTP 2, entretanto chamado a casa, manda as diversas sub-unidades aprontar o pessoal disponível no interior do aquartelamento e, ao mesmo tempo, convoca alguns graduados necessários ao enquadramento do destacamento. Devido ao reduzido numero de militares solicitados não foi accionado o «Plano de Recolha», previsto para a convocação das Companhias de Pára-quedistas. O COFA informa a BOTP 2 que um SA330 Puma e um C-212 Aviocar, estarão no Aeródromo de Manobra N.º 1 em Maceda – Ovar, a fim de transportar os «páras» para Lisboa.
Armamento ligeiro, munições, rações de combate, equipamentos individuais, água, material de comunicações e de primeiros-socorros, tudo é transportado para o AM 1, em viatura, saindo de S. Jacinto às 21H30. Iriam embarcar no «Puma», 10 homens que de imediato partiram para Lisboa passando pelo Hospital da Força Aérea, a fim de serem vacinados. Às 23H15 sai outro grupo de 10 homens e mais materiais e equipamentos, para embarcar no «Aviocar», em espera no AM 1. Quase de imediato e fruto das notícias que os órgãos de comunicação social vão transmitindo, dezenas de militares pára-quedistas apresentam-se espontaneamente na Unidade (até às 04H00 são 40), muitos mais telefonam e até pessoal na disponibilidade se oferece para partir! Esta situação vai mesmo criar embaraços, pois novo destacamento é pedido à BOTP 2 e há quem fique «ofendido» por não ser escolhido. Há mesmo alguns «boinas verdes» que levantam todo o equipamento necessário nas suas companhias, ficando a aguardar que algum dos escolhidos, por qualquer motivo, seja preterido.
Em 2 de Novembro, pelas 16H00, o CTP manda preparar uma Célula de Comunicações, para a mesma missão e outro grupo de segurança. São necessários 13 homens, os quais estão prontos 30 minutos depois da ordem recebida. Pelas 16H30 levanta da pista da BOTP 2 um «Aviocar» com o que seria o último grupo de «páras» a partir para esta missão.
A BOTP 2 participou assim na missão com 33 militares; 280 rações de combate; 20.000 munições 5,56mm; 2 PRM 220; 2 PRC 220; 2 PRC 425. Cedeu ainda ao COFA, 500 rações de combate e 43 sacos de cama.
África
Após escala no Aeroporto Internacional do Sal, na República de Cabo Verde, o C-130H «Hércules» que transportava o 1.º grupo de pára-quedistas, aterrou na capital da República Democrática de S. Tomé e Príncipe.
No Domingo, 1 de Novembro de 1992, o dispositivo da Força Aérea, em S. Tomé, está pronto e aguarda instruções. Na capital angolana a situação ainda está confusa. Combate-se nas ruas. A Embaixada Portuguesa vai acolhendo os nacionais e estrangeiros que aí procuram abrigo.
O Aeroporto «4 de Fevereiro» é encerrado ao tráfego aéreo por falta de condições de segurança. Entretanto, algo de inesperado tinha acontecido que havia irritado particularmente as autoridades que controlavam o aeroporto, ou seja a Policia Anti-Motim (controlada pelo governo do MPLA). No Domingo, dia 1 de Novembro, à noite, um avião brasileiro aterra, embarca os estrangeiros que no aeroporto aguardam a acalmia da situação para sair de Angola, na sua maioria brasileiros, e levanta voo rumo a S. Tomé.
Dia 2 de Novembro de 1992, pelas 17H00, um C-130H da Força Aérea Portuguesa aterra finalmente no Aeroporto de Luanda, para evacuar o primeiro grupo de portugueses, entretanto para aí escoltados pela Policia Angolana desde a Embaixada Portuguesa.
Após a aterragem do «Hércules» português viveram-se alguns momentos de tensão. Afinal os militares e policia angolanos estacionados no aeroporto parece que ainda não tinham informação da missão. Tomaram-na como algo de carácter ofensivo. Muitas armas são apontadas ao «Bisonte» e chega-se a temer o pior. Mas a língua ainda é a mesma e até aparece um graduado «Ninja» (nome como era conhecida a Policia Anti-Motim), ex-militar das Forças Armadas Portuguesas. O comandante da aeronave estabelece os contactos, os pára-quedistas fazem o seu trabalho, mas verificam que ao contrário de S. Tomé, onde a população os recebeu maravilhosamente, aqui, «quando viam um dos nossos ficavam desconfiados, mesmo agressivos. Não sei se era do camuflado ou da boina, ou de ambas as coisas». Uma das explicações avançadas foi que a imprensa portuguesa empolou a missão, dando mesmo a entender tratar-se de uma operação ofensiva. Como a actuação dos brasileiros foi humilhante para os guardas do aeroporto, estes não pretendiam a repetição de situações idênticas.
Após a primeira missão em Luanda a partir de S. Tomé, por dificuldades logísticas deste aeroporto, os C-130H passaram a operar a partir de Brazaville, na República Popular do Congo. Enquanto em S. Tomé ficaram aquartelados 13 pára-quedistas, em Brazaville 20 cumpriam a sua missão. Para além da segurança às aeronaves os «boinas verdes», fazendo uso da sua tradicional capacidade «faz-tudo», colaboravam no embarque e desembarque de passageiros, alguns feridos, e respectivas bagagens, bem como dos materiais que iam chegando de Portugal, tais como medicamentos, alimentos e outros.
Primeiro em S. Tomé e depois em Brazaville, partiram para Portugal em aviões fretados pelo governo português, cerca de 2.500 refugiados retirados de Angola pelos «Hércules» da Força Aérea. Os C-130 aterraram em Luanda, Catumbela, Namibe, Huambo e Lubango, algumas vezes bem no centro de acções armadas.
Se bem que a esmagadora maioria dos refugiados fossem portugueses, também foram evacuados outros nacionais de países europeus e africanos.
Preparados para o pior
Para além da acção da Força Aérea, efectivamente cumprida, outros meios deste ramo, da Armada e do Exército foram accionados. No respeitante às Tropas Pára-quedistas e durante a permanência em África do nosso pequeno destacamento, estiveram de prevenção 2 companhias de pára-quedistas na BOTP 2, em estado de prontidão de 2 horas, a primeira, e de 6 horas a segunda. Com a clarificação da situação no terreno e a inexistência de mais pedidos de evacuação, o dispositivo foi sucessivamente colocado num estado de alerta mais dilatado e posteriormente foi desactivado.
A guerra continua…
No momento em que este texto está a ser escrito (Janeiro de 1993), a guerra continua em Angola e a paz parece não voltar, nos tempos mais próximos, embora todos digam que a desejam. A situação em Angola como noutros países africanos onde cidadãos nacionais vivem, não é de molde a transmitir despreocupação. As Forças armadas Portuguesas e em particular a Força Aérea e as Tropas Pára-quedistas, devido á sua vocação para o deslocamento rápido, mesmo a grandes distâncias, devem encarar muito seriamente, a repetição de missões deste tipo. E talvez agora com maiores efectivos e para missões mais exigentes do que as de segurança.
As Tropas Pára-quedistas cumpriram a missão, mas têm consciência do muito que há a fazer para uma intervenção em maior escala, estando a trabalhar para esse fim.
Para as missões de paz como de guerra as Tropas Pára-quedistas devem estar treinadas e motivadas para agir em defesa dos interesses nacionais, onde necessário e quando necessário. Para que isto seja uma realidade o estudo, planeamento e instrução realista, aliados à disponibilidade efectiva (e não apenas prevista!) dos armamentos e equipamentos apropriados, são condições que os altos escalões das Forças Armadas, os mesmos que atribuem as missões, devem continuar a facultar aos «Boinas Verdes» de Portugal.
Miguel Silva Machado, Aveiro, Janeiro de 1993.
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