ANGOLA: EXERCÍCIO DE FORÇAS ESPECIAIS, “VALE DO KEVE 2014” (I)
Por Miguel Machado • 13 Jan , 2015 • Categoria: 03. REPORTAGEM, EM DESTAQUE PrintAs forças especiais angolanas organizaram recentemente um exercício multinacional de grande importância regional – VALE DO KEVE 2014 – o qual decorreu no âmbito da sua participação da componente “defesa e segurança” da SADC, Southern African Development Community, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. Estando iminente a participação de Angola com um grande contingente na missão de paz da ONU na República Centro Africana , muito do que aqui se testou será certamente de grande utilidade para essa operação.
Depois de duas edições na República da África do Sul, uma no Reino do Lesoto e a do ano transacto na República da Namíbia, no ano de 2014 coube à República de Angola receber um exercício de forças especiais que tem vindo a fazer o seu caminho durante estes últimos 5 anos. Sem dúvida que este exercício se vem afirmando como um marco anual para aferir a evolução das unidades de forças especiais envolvidas. Da doutrina e planeamento aos fardamentos e equipamentos individuais ou à logística, passando pela entrada em serviço em condições de campanha muito exigentes de materiais ligados às novas tecnologias de informação e as trocas de experiências na execução de diferentes procedimentos tácticos e técnicas, muito esta série de exercícios tem trazido aos países participantes.
No caso de Angola, país cujas Forças Armadas saíram de uma guerra civil há pouco mais de 10 anos, a participação em operações fora das suas fronteiras num quadro multinacional, que aliás já se encontra anunciada – e confirmada em Novembro de 2014 pelo Ministro da Defesa de Angola, para o primeiro trimestre de 2015 – torna este tipo de manobras militares autêntica preparação para uma próxima projecção de forças. Ao longo da sua história como país independente os militares angolanos já realizaram várias intervenções fora do seu território, a esmagadora maioria para defesa directa dos seus interesses nacionais ajudando a estabilizar a situação nas fronteiras. Ouve também uma participação directa em operações de paz que ocorreram na República Democrática do Congo, República do Congo em 1997/1998 e na Guiné-Bissau (2010), mas sempre num quadro de grande autonomia de acção. Agora, em 2015, um efectivo a rondar os 1.800 militares participará sob a bandeira da ONU na força desta organização que actua na República Centro Africana (MINUSCA).
“Vale do Keve 2014”
Participaram no exercício 1.700 militares, a maioria de Angola, mais de 1.000, e destacamentos de forças especiais da África do Sul, Botswana, República Democrática do Congo, Namíbia, Tanzânia, Zâmbia, Lesotho e Zimbabwe. Moçambique e Malawi não participaram, Madagáscar, Suazilândia, Ilhas Maurícias e Seychelles também não, por não disporem de Forças Especiais.
O exercício decorreu segundo um cenário geral que nos é bem conhecido nos nosso exercícios nacionais, “…conjuntura de crise num país com a degradação de situação política interna, gerando insegurança e o colapso das instituições do estado, colocando em risco a liberdade de circulação de pessoas e bens, provocando deslocados…”
Os objectivos declarados deste exercício foram “…treinar a organização, o planeamento, a conduta e o controlo de operações no quadro da actuação e resposta a uma situação de crise no âmbito das Forças Especiais dos Estados membros da SADC…”
Para a intervenção que a direcção política determinou, foi criada por estes países membros, uma “Força Tarefa Conjunta Multinacional” (FTCM) que se constituiu assim no vector operacional que a SADC accionou para estabilizar a região em causa e que levou a cabo uma enorme série de operações tácticas dos mais variados tipos. O estado-maior desta FTCN funcionou com o uso de um moderno sistema de comando e controlo, o “Chaka” de fabrico sul-africano adquirido por Angola, o que representou um enorme avanço neste decisivo domínio das operações, e foi aprofundada a interoperacionalidade de equipamentos e armamentos e a harmonização de tácticas técnicas e procedimentos. Dos muitos exemplos que se poderiam dar, um por ser o mais actual em Angola, foi possível ver pára-quedistas de vários países a saltar do mesmo meio aéreo da Força Aérea Nacional de Angola (FAN) com o mesmo tipo de pára-quedas que faz parte da dotação da Brigada de Forças Especiais (BRIFE) das Forças Armadas Angolanas (FAA).
Em suma, o planeamento, preparação, execução e coordenação das operações das forças especiais envolvidas, foi uma realidade multinacional no “Vale do Keve”, o que muitas vezes não é fácil pelas diferentes línguas faladas nos países da região mas também pelos antecedentes históricos de cada país o que originou no passado diferentes tipos de organização e procedimentos, os quais têm vindo, ano após ano, a ser paulatinamente uniformizados. Esta procura de uma identidade própria na SADC não é fácil, mas é necessária mesmo que não seja perfeita, para permitir operar em conjunto, e está hoje influenciada a dois tempos, o que é curioso, pelas “escolas” russa e americana/NATO.
A geografia do local, a que se junta uma importância histórica que as autoridades angolanas em várias ocasiões lembraram – ali teve lugar uma das mais importantes batalhas da guerra contra a União Sul Africana, a “batalha do Ebo” – foi determinante para a escolha daquela região: municípios da Cela, Quibala e Ebo, no Kuanza Sul. Ali foi possível efectuar operações em tipologias de terrenos muito diferentes: montanha, selva, água e…no ar.
Força Tarefa Conjunta Multinacional
Esta força foi desenhada para constituir um vector de intervenção imediata ao serviço da SADC. Será a primeira unidade a ser empregue e a sua acção permitirá depois que novas unidades, de outro tipo, possam vir a consolidar ou aprofundar o seu trabalho operacional.
A FTCJ esteve organizada com um comando e estado-maior, apoio de serviços e 6 Grupos de Forças Especiais, cada um vocacionado para uma área de actuação: sniper, reconhecimento, operações anfíbias, operações terrestres, operações aerotransportadas e mobilidade.
Antes de iniciar a operação propriamente dita ouve tempo para efectuar o chamado “treino cruzado” para as diferentes unidades envolvidas se darem a conhecer bem assim como os seus equipamentos e procedimentos. Nesta fase foram ainda treinadas actividades como patrulhas, infiltração e extracção com diferentes técnicas e plataformas, natação de combate, navegação aquática e tiro.
Seguiu-se o exercício, o qual em linhas muito gerais consistiu na manobra desta força – com muitas acções independentes – para travar as acções dos terroristas que haviam tomado a iniciativa na área de operações, apoiar o governo legítimo e estabilizar a situação. Isto foi conseguido com recurso a reconhecimentos, acções sniper, evacuação de não-combatentes, emboscadas, acções de busca e salvamento com e sem oposição.
No próximo artigo falamos da Logística, factor determinante, e apresentamos a nossa Conclusão.
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