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AFINAL QUEM NOS ESCUTA?

Por • 20 Set , 2009 • Categoria: 02. OPINIÃO Print Print

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Desde 1994 que não assistíamos a tão clara desconfiança interinstitucional. Nesse ano foi detectado um microfone escondido no soalho do gabinete do então Procurador-Geral da República, tendo o receio das escutas ilegais alastrado ao Palácio de Belém, generalizando-se a caça ao microfone escondido, e até o líder da oposição veio denunciar que também receava estar a ser escutado.
A colocação ilegal daquele microfone foi imputada malevolamente ao SIS e, ainda nessa altura, surgiram denúncias de que o SIS vigiava um magistrado do MP da Madeira. Esta sequência de factos teve como consequência que o então director-geral do SIS optasse por abandonar a direcção daquele Serviço, a fim de evitar um maior desgaste do mesmo e tentando atenuar o reflexo dos seus efeitos na tutela política.
Na sequência de todos estes acontecimentos, o PS venceu as eleições para o Parlamento Europeu e em 1995 ganhou as eleições legislativas para a AR.

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Agora vivemos mais intensamente uma desconfiança que parece não permitir o normal funcionamento das instituições. Segundo noticias vindas a público, o PGR actual já afirmou a sua suspeita de ser escutado; procuradores que investigam factos de grande relevo suspeitam, também, estarem a ser vigiados; jornalistas de investigação de notícias politicamente escaldantes receiam igualmente ser escutados; finalmente é a própria presidência da República a suspeitar estar sob permanente vigilância.
Este contexto é muito preocupante e os serviços de informações (SI’s) negam ser os autores das actividades que estão sob suspeita. Responsáveis políticos pelos SI’s e o órgão responsável pela fiscalização destes serviços também já vieram esclarecer que estes não são os responsáveis por estas suspeitas. Assim, parece que neste momento a questão não é a de saber se estes factos são reais, mas sim quem são os responsáveis pela sua percepção.
O responsável de um jornal, que denunciou as suas suspeitas relativamente aos SI’s, já veio dizer que afinal não terá havido intromissão no seu sistema informático. Mas será que é possível alguma entidade afirmar sem mais e sem qualquer averiguação ou fiscalização que, efectivamente, os SI’s não são os responsáveis pelas suspeitas referidas? O que poderá ser dito aos cidadãos para que estes fiquem tranquilizados?

Independentemente de considerações sobre o timing em que, mais uma vez, todas estas notícias vêm a público, há uma questão que permanece em aberto e à qual não se vê ninguém preocupado em dar resposta: se os SI’s não são responsáveis pelos factos alegados, como não o foram em 1994, então quem são os verdadeiros responsáveis por esses factos? Quem nos escuta afinal?

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É altamente preocupante que haja várias instituições a sentir-se condicionadas na sua actividade diária por suspeitas de serem escutadas ou vigiadas e estas situações não estarem já a ser investigadas. Acredita-se ou não na sua veracidade? Se não, então as instituições vivem uma psicose colectiva, o que não parece de todo credível pois seria bastante perigoso. Mas não se vê como alguém pode desvalorizá-las sem averiguação adequada.
Na sequência dos factos de 1994 veio a apurar-se, mais tarde, a responsabilidade pela escuta ilegal no gabinete do PGR e, claro, não foi o SIS. Tinha sido montada por um técnico de uma empresa de telecomunicações para possibilitar a obtenção de informações sobre o processo das facturas falsas, mais conhecido pelo caso do Fundo Social Europeu. Este técnico viria a ser amnistiado, em 2001, sem chegar a ser julgado.
Mas nessa altura, pela incapacidade do SIS apurar ou compreender os factos de que era acusado, o seu director-geral num acto de invulgar nobreza afastou-se.
Penso que as dúvidas que se colocam recorrentemente à actuação dos SI’s, isto é, a desconfiança que permanentemente existe, se deve às dúvidas que também existem sobre o eficaz controlo ou fiscalização destes Serviços. Quem poderá garantir que elementos dos SI’s não são responsáveis por eventuais violações dos limites legais à sua actividade e quem garante que os SI’s não possuem, e, se possuem, que não são utilizados, os meios e equipamentos para actividades que violam estes limites?
Compete essencialmente ao Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa dar essa garantia. Este Conselho de Fiscalização tem como competência apreciar os relatórios da actividade dos serviços de informações e receber periodicamente a lista dos processos em curso. Pode mesmo consultar os relatórios de informações produzidos pelos serviços, solicitar esclarecimentos e efectuar visitas de inspecção sobre o funcionamento e as suas actividades. Desconhece-se se todas estas competências são exercidas, porém, atendendo a que o Conselho de Fiscalização deve velar pelo cumprimento da Constituição e da lei, particularmente no que respeita ao regime de direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, entende-se que são demasiado limitadas as suas competências, apesar da grande experiência e elevada qualidade dos seus membros.
Pois, serão conhecedores da panóplia de equipamentos utilizados pelos SI’s e do uso que lhes tem sido dado? Terão acesso, quando necessário, a relatórios de notícia, relatórios de contacto, relatórios de vigilâncias elaborados pelos profissionais dos serviços? Se as respostas forem negativas, como podem garantir o controlo preventivo da actividade dos operacionais dos serviços?
Que garantias têm os cidadãos de que as actividades destes serviços e de todos os seus funcionários são desenvolvidas unicamente no estrito interesse nacional e das instituições do Estado?
É que recorrentemente têm sido publicados artigos e até já foram feitas alusões na TV sobre a importância da infiltração de lobbies e obediências maçónicas nos serviços de informações, do cada vez maior número de funcionários a elas ligados e, mesmo, do desempenho, por maçons, de funções relevantes nestes serviços. Isto não é preocupante para o comum dos cidadãos e para as instituições estatais?
A quem compete fiscalizar também estas situações em que poderá estar em causa o interesse nacional e cujas lealdades ajuramentadas podem colidir com as fidelidades às instituições do Estado e aos deveres funcionais dos seus funcionários, numa realidade que se espalha como uma malha por ministérios, autarquias, institutos públicos e forças e serviços de segurança?

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Fala-se ainda, agora, do reforço de meios legais de intervenção dos SI’s, nomeadamente da possibilidade do serviço de informações internas efectuar intercepções das comunicações. Curioso que, até há poucos anos, era quase unânime a opinião contrária das várias entidades públicas e politicas a esta competência que, na nossa opinião, correrá o risco de ter más, imprevisíveis e desnecessárias consequências.
Agora todos os “especialistas” se pronunciam favoravelmente e bem gostaríamos de entender porquê. O que mudou na actividade, missão e atribuições deste serviço que o passasse a justificar? Não se vê essa necessidade e, pelo contrário, são de recear as suas consequências e a falta de eficácia no controlo dessa actividade.
Não esqueçamos que a próxima legislatura tem poderes de revisão constitucional e a atribuição da competência a um serviço de informações para efectuar intercepções telefónicas passa necessariamente por uma revisão constitucional. Só faltava juntar a este caldo de dúvidas que cidadãos, que não sejam suspeitos da prática de algum crime ou investigados em sede de processo-crime, possam ser sujeitos a escutas. Sabe-se lá com que justificação.
Mas, principalmente, o que gostaríamos agora de ver esclarecido é o que há de verdade nas situações actualmente denunciadas e que parecem atentar contra a segurança nacional, pela desconfiança interinstitucional que já geraram. Estas situações são uma questão de segurança que deve ser esclarecida.

Francisco d’Almeida

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