A GUERRA CIVIL DE ESPANHA PASSOU PELO TEJO? O FORTE DE ALMADA
Por Miguel Machado • 14 Dez , 2016 • Categoria: 14.TURISMO MILITAR, EM DESTAQUE PrintO Forte de Almada tem raízes bem longínquas, na fundação da nacionalidade. No século XX, com o Forte do Alto do Duque, foi interveniente nos combates do dia 8 de Setembro de 1936. As peças Krupp 10,5cm que ainda hoje estão instaladas, foram as primeiras a abrir fogo contra os navios capturados por marinheiros da Organização Revolucionária da Armada. A sua história de séculos e panorâmica sobre a capital e o rio Tejo fazem dele, a prazo, um potencial ponto de atracção turística e cultural.
Como referimos na primeira parte deste artigo – A GUERRA CIVIL DE ESPANHA PASSOU PELO TEJO? (Parte I) – ainda hoje permanece alguma dúvida sobre os reais objectivos dos revoltosos, sendo certo que a Guerra Civil de Espanha e o ambiente ideologicamente extremado que então se vivia no país vizinho, teve influência determinante na acção. Os marinheiros envolvidos no assalto ao Afonso de Albuquerque e ao Dão (e ao Bartolomeu Dias, mas este acabou fora da acção) negam o objectivo de entregar os dois vasos de guerra à Republica de Espanha, o governo não teve dúvidas desse objectivo, e porquê?
Franco Nogueira na sua obra “Salazar” (Volume III – 3.ª edição – 1986) relembra o episódio, conta mesmo que Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Minsitros e à data acumulando as funções de Ministro da Guerra, de férias em Santa Comba Dão, foi acordado por telefonema do Ministro da Marinha a relatar o sucedido às 5 horas da madrugada de dia 8 de Setembro, e que deu a ordem de “bombardear os navios até à rendição”. Além de muitos outros detalhes sobre a acção transcreve ainda parte de uma longa nota do Presidente do Conselho publicada nos jornais a 10 de Setembro da qual recuperamos parte «…Embora à custa do suor de todo o povo, com alegria e a clara consciência do dever se mandaram construir (os navios). Conscienciosamente os mandei pagar. Com a mesma imperturbável serenidade dei ordem para que fossem bombardeados até se renderem ou afundarem. A razão que se eleva acima de todos os sentimentos foi esta: os navios da Armada portuguesa podem ser metidos ao fundo; mas não podem içar outra bandeira que não seja a de Portugal. Desperdiçaram-se num momento economias de muitos meses, é certo: não podemos porém ficar presos de tais considerações quando o exige a honra da Nação…» Salazar enquadra depois estes acontecimentos nos apoios internacionais – nomeadamente no fornecimento de armamento – que ambos os campos em conflito procuravam por essa altura, um pouco por toda a Europa. Se acusavam o governo de favorecer o campo “Nacional” devido a alguma proximidade ideológica, este aproveitou os acontecimentos para mostrar, dentro e fora de Portugal, que o campo “Republicano” também procurava fortalecer o seu poderio militar.
Do lado oposto, Álvaro Cunhal também terá abordado o assunto, assim refere Domingos Abrantes do PCP no artigo «1936 – Ano da Revolta dos Marinheiros», publicado em 2006 no “Militante”:
«… Nos finais da Primavera de 1936, antes da sua partida para Espanha, o camarada Cunhal, em representação da direcção do Partido, realizou um encontro com os camaradas dirigentes da O.R.A… …No movimento democrático fervilhavam, por influência das vitórias antifascistas em França e Espanha, ideias de um golpe armado para derrubar o fascismo. Os camaradas consideravam estar em condições de desempenhar em tal caso importantíssimo papel tomando conta do “Afonso de Albuquerque” e de outros navios de guerra. Viam por isso com impaciência estar o governo a tomar medidas que ameaçavam a O.R.A.
E o camarada Cunhal acrescentava que os dirigentes da O.R.A. “encaravam mesmo a possibilidade de, na parada da Marinha de Guerra que costumava realizar-se na baía de Cascais e à qual Salazar e membros do governo assistiam a bordo do “Afonso de Albuquerque”, tomarem conta do navio e prenderem Salazar, os ministros e acompanhantes. Tal operação – concluía o camarada Cunhal – incluída numa revolta de outras unidades militares poderia ser determinante. Mas, sendo isolada, apresentava-se cheia de justificadas dúvidas”.
A revolta avançou mesmo, pelos vistos contra a opinião da direcção do partido, mas o que é certo é que «…no entanto o Partido sempre valorizou a determinação dos jovens marinheiros e o seu desejo de pôr fim à ditadura e ao longo dos anos prestou-lhes a devida e merecida homenagem, não esquecendo que sacrificaram as suas vidas em honra e glória pela causa da liberdade».
No interessante livro de Gisela Santos Oliveira, “A Revolta dos Marinheiros de 1936” – sobre o qual já fizemos um pequeno comentário no artigo anterior – a autora publica entrevista a Joaquim Teixeira (um dos marinheiros revoltosos) e alguns dados curiosos podem ser recolhidos. Não só a influência do ambiente em Espanha (de onde o Afonso Albuquerque tinha regressado) e dos contactos de muitos marinheiros portugueses com republicanos espanhóis; como uma intenção de fazer navegar os navios sublevados até Angra do Heroísmo para tentar libertar revolucionários aí presos; navegar para Espanha se as coisas corressem mal em Portugal e deixar lá os navios indo combater pelos Republicanos em terra; e ainda, e neste aspecto parece confirmar-se a afirmação de Salazar (sobre o ter sido içada bandeira estrangeira), quando Teixeira refere que um oficial detido a bordo lhe disse “Ó pá, manda-os arrear a bandeira”, o que ele recusou.
Forte de Almada
O Forte na actualidade não é um local de visita, mas sim uma unidade com uma componente operacional – o Destacamento de Intervenção do Comando Territorial de Setúbal – outra logística e oficinal e uma área administrativa, tudo em actividade permanente. As imagens aqui apresentadas só foram possíveis com o apoio prestado pela unidade, nomeadamente o seu comandante, o capitão Jacinto, e o Cabo Nuno Cardoso, um entusiasta da história do local. A unidade tem duas áreas distintas dentro do seu perímetro, uma em utilização, a qual está em muito bom estado de conservação, foram executadas obras recentemente; a outra, a que visitamos e que terá – a prazo – interesse histórico-cultural, estando preservada e a salvo de vandalismo e roubos como o que aconteceu em muitos outros locais onde a artilharia de costa esteve aquartelada, não está propriamente cuidada para receber visitantes. Mesmo que ervas e arbustos possam dar má imagem nas fotos, a realidade é que a “parte museológica” do Forte está resguardada dos males maiores que atingiram muitas batarias. Agradecemos assim à GNR, mesmo com estas condicionantes, terem autorizado esta reportagem.
História de séculos
Procurando um pouco, sabendo que as origens do “Castelo de Almada” remontam à Reconquista, socorremo-nos de um texto de Carlos Luís M.C. da Cruz, datado de 2009, publicado no site fortalezas.org do qual transcrevemos dados relativos apenas ao posterior “Forte de Almada” que pelo mesmo local se construiu “em cima do Castelo”.
«…No contexto da Guerra de Restauração da Independência (1640-1668), sob o reinado de Afonso VI de Portugal (1656-1683) a defesa proporcionada pelo antigo castelo terá sido reedificada em 1666, recebendo linhas abaluartadas. Foi danificado quando do terramoto de 1 de novembro de 1755, tendo os seus reparos se iniciado por volta de 1760, quando assumiu a atual configuração. Foi desativado em 1825, tendo o tenente Fulgêncio Gomes dos Santos Vale recebido ordens para recolher todo o material bélico em suas dependências ao Arsenal Militar.
Voltou a ser guarnecido e artilhado em 1831, no contexto da Guerra Civil Portuguesa (1828-1834). À época era comandado pelo coronel Manuel de Freitas e Paiva. Recebeu visita de Miguel I de Portugal (1828-1834) em 18 de fevereiro de 1832. Quando os Liberalistas avançaram sobre Lisboa, derrotaram os Absolutistas na batalha da Cova da Piedade (batalha de Cacilhas, 23 de julho de 1833), que retiraram para o Castelo de Almada, conquistado por sua vez no dia seguinte (24 de julho) pelos primeiros.
Foi objeto de reparos durante os anos de 1865 e 1866, momento em que coordenava as diversas baterias da linha de defesa na margem sul do Tejo. Com a perda de sua função defensiva viu a sua guarnição ser reduzida e o comando entregue a oficiais reformados, acabando por ser classificado como o forte n.º 1 da 2.ª linha.
Quando da proclamação da República no país (5 de outubro de 1910), foi ocupado por populares, sem resistência pela sua guarnição. À época do surto de Gripe Pneumónica em Portugal (1918), as dependências do castelo serviram como hospital improvisado.
No contexto da revolta de 26 de agosto de 1931, o aviador revolucionário José Manuel Sarmento de Beires (que com António Jacinto de Silva Brito Paes tinham efetuado o Raid Aéreo Lisboa-Macau em 2 de abril de 1924) descolando da Base Aérea de Alverca, tentou bombardear a fortificação mas falhou o alvo, tendo a bomba caído num largo da vila (hoje Almada Velha) causando a morte de três pessoas e muitos feridos, entre os quais dezenas de crianças que ali brincavam com papagaios de papel. Atualmente esse logradouro tem a designação de Largo das Vitimas de 26 de Agosto de 1931, e nele se encontra gravado, num muro, o testemunho desse trágico evento, assim como o número de vítimas causadas.
Esteve guarnecido por tropas de artilharia até à Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974), tendo a guarnição aderido no mesmo dia. Após 1976 as suas instalações passaram a ser ocupadas por forças de Guarda Nacional Republicana tendo sido empreendidas obras de adaptação para o efeito…»
No Forte de Almada continuam instaladas nas suas posições duas peças Krupp 10,5cm, e respectivos paióis, abrigos subterrâneos, trincheiras, tudo em razoável estado de conservação, mesmo que precise de alguma limpeza/pintura, bem assim como o posto de comando de tiro e postos de observação.
Se para o rio a protecção advém da falésia, para a cidade de Almada as muralhas, fossos e postos de tiro protegidos não deixam dúvidas, estamos perante uma infra-estrutura que foi preparada para combater com armas ligeiras e pesadas (metralhadoras) em 360º. As peças de 10,5cm cobriam o rio e a sua margem direita.
Pode ser que um dia…
Bem sabemos que não é fácil mobilizar vontades e recursos para colocar este tipo de infra-estruturas ao serviço do país, agora na vertente cultural e turística. Além dos muitos casos de abandono total e nenhuma perspectiva de recuperação, há vários outros que até foram escolhidos para recuperação e reutilização, mas aguardam “em lista de espera”. Teimam, ano após ano, promessa após promessa, assinatura após assinatura, em não evoluir. Sem ser exaustivo recordo apenas o caso do Museu da Artilharia de Costa – tudo apresentado com “pompa e circunstância” em 28 de Janeiro de 2014 – que não arranca; o caso do Submarino “Barracuda” que permanece em Cacilhas sem sofrer as necessárias adaptações para poder ser visitado, ou o da Bataria da Fonte da Telha, a qual se manteve miraculosamente bem conservada, é um caso único no mundo naquele calibre (23,4cm), e que…aguarda solução.
Pode ser que os Fortes de Almada e do Alto do Duque, por terem sido mantidos utilizáveis pelas entidades que os ocupam e por terem inegável valor histórico e paisagístico, venham um dia a ser olhados como mais dois pólos de atracção turística e cultural. É um assunto que no momento da mudança de utilizador, merece ser considerado.
LEIA AQUI A PRIMEIRA PARTE DESTE ARTIGO: A GUERRA CIVIL DE ESPANHA PASSOU PELO TEJO? O FORTE DO ALTO DO DUQUE
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