A GRANDE GUERRA NOS AÇORES
Por Miguel Machado • 20 Mai , 2013 • Categoria: 05. PORTUGAL EM GUERRA - SÉCULO XX PrintA GRANDE GUERRA NOS AÇORES, MEMÓRIA HISTÓRICA E PATRIMÓNIO, do nosso colaborador Sérgio Alberto Fontes Rezendes, é a edição digital da sua Dissertação apresentada à Universidade dos Açores para a obtenção do grau de mestre em Património, Museologia e Desenvolvimento.
Sérgio Rezendes que no “Operacional” já publicou artigos sobre a sua temática de paixão, o “Açores Militar”, disponibiliza-nos através da Universidade dos Açores, a possibilidade de ler mais um dos seus estudos, desta vez nada mais nada menos que 450 páginas sobre A Grande Guerra nos Açores. Aqui deixamos, com as devidas autorizações, o índice da obra e uns excertos (seleccionados por nós) da apresentação que Sérgio Rezendes nos faz. Muito obrigado!
«…A construção da identidade, independentemente de ser uma sociedade, um grupo ou um indivíduo, alimenta-se de uma profunda relação entre a memória, ou seja a evocação do passado, o presente e o propósito delineado para o futuro (…)
Em Portugal, o “culto” pela memória da Grande Guerra suscitaria especial atenção à máquina propagandística da I Republica, através das inúmeras conferências e publicações da autoria de sobreviventes (e não só), mas em especial pela memória evocativa consubstanciada nos padrões da Grande Guerra e pelo culto dos Mortos, de que subsistem ainda as cerimónias evocativas do dia do Armistício. O culto aos heróis, de que o do soldado Milhões (Aníbal Augusto Milhais) será o melhor exemplo, e o aparecimento de organizações específicas, tendo como génese a guerra de 1914-1918, como a Liga dos Combatentes, serão também responsáveis, ainda hoje em dia, pela memória de todos os mortos em combate. Episódios especiais, mas com grande responsabilidade na perpetuação deste “mito”, foram surgindo esporadicamente com o passar dos anos, com especial destaque para o ano de 1921, ano designado por Ernesto Castro Leal como “a apoteose nacional das ritualizações cívicas republicanas aos mortos da Grande Guerra, em especial com as celebrações públicas ao Soldado Desconhecido”.
(…) O uso do termo Grande Guerra no presente estudo, em detrimento de I Guerra Mundial, para além de respeitar a terminologia usada na época, procura destacar uma memória bem vincada, por exemplo, nos inúmeros padrões da Grande Guerra espalhados desde o norte de França até zonas recônditas no antigo Ultramar português. Desenvolvidos entre 1921 e 1936 por intermédio da Comissão dos Padrões da Grande Guerra e fomentados por subscrição nacional (de que o de Ponta Delgada não seria excepção), teve o seu primeiro exemplar em Lacouture, tornando-se um autêntico símbolo do conflito em inúmeras vilas e cidades. Anualmente, estes padrões foram (e ainda são) autênticos “altares cívicos para uma liturgia de recordações ao heroísmo militar português, principalmente todos os anos, no dia 11 de Novembro”9. Estes monumentos são uma parte da rede montada para a sua memória, complementada com baixos-relevos, pequenos obeliscos, padrões com várias estátuas, lápides com listas de mortos, não só em paços de concelho como em unidades militares.
(…) Poder-se há mesmo responsabilizar o Exército pela conservação dessa memória (e nomenclatura), uma vez que as unidades/orgãos são promotoras de memórias colectivas que não deixam desaparecer, fomentando a sua continuidade, desenvolvendo cerimónias, assim como investigações (em que o termo “Grande Guerra” é uma constante), passando esse conceito ao publico em geral por intermédio os seus museus, arquivos e bibliotecas, como sobejamente se constata no caso da “Sala da Grande Guerra” do Museu Militar (de Lisboa).
(…) A transmissão do que foi a Grande Guerra a jovens estudantes açorianos sempre levantou a problemática pessoal de enquadrar as suas ilhas dentro dos acontecimentos quer da Grande Guerra como da de 1939 a 1945. As respostas, apesar de em moldes gerais serem conclusivas, deixam de parte a essência autóctone do que efectivamente sucedeu, ilha por ilha, quer ao nível das repercussões nas populações, quer dos corpos militares que as tinham jurado proteger. Torna-se assim objectivo deste trabalho perceber de que forma a situação bélica evoluiu no arquipélago; o esforço de guerra realizado (que inevitavelmente acaba por atingir a questões como a das subsistências e do comércio regional), assim como da problemática social, reflexo da entrada de Portugal na guerra e consequentes mudanças sociais e económicas. A constatação de importantes episódios bélicos em águas açorianas e a conjugação de quatro factores – a guerra, a fome, a peste e a instabilidade politica – que suportados pelas autoridades locais, em duas esferas distintas, civil e militar, foram também
aspectos fundamentais para a elaboração do presente trabalho. A análise das relações entre as duas esferas de poder local, a civil (materializada em última instância nos Governadores Civis) e a militar (assente no Comando Militar dos Açores e respectivos comandos de ilha), posteriormente retidas numa única entidade, o Alto Comissário da República nos Açores, em 1918, e o seu desenvolvimento ao longo do período em analise, ou seja de meados do 1914 a finais de 1919, permitirá entender o esforço realizado para conter a conjugação crítica de factores negativos. De facto, na fase final do conflito mundial a gripe pneumónica vitimaria, no espaço de poucos meses entre 20 a 40 milhões de pessoas por todo o mundo, sendo “disseminada essencialmente através das comunicações marítimas”, assumindo o “transporte de soldados um papel fundamental na propagação”13, juntando-se assim à fome, à guerra e à instabilidade política reinante na capital portuguesa, mas com inevitáveis reflexos locais.
(…) O presente estudo encontra-se estruturado em cinco grandes capítulos principais: os Açores no inicio da Grande Guerra, Portugal na Grande Guerra: a intervenção nos Açores, as relações de poder, tempos de crise e imóveis, memória e património da Grande Guerra. A progressão da abordagem das questões militares para as civis segue um princípio transmitido em plena II Guerra Mundial a um Governador Civil de Ponta Delgada pelo Ministro do Interior de António de Oliveira Salazar: sem defesa, não há alimentação.
(…) Acontecimentos bélicos como o bombardeamento de Ponta Delgada a 4 de Julho de 1917, ou mesmo o combate naval entre o Augusto de Castilho e uma unidade naval alemã em 1918, fariam prever situações aguerridas nos mares açorianos, situações que por sua vez levariam à implantação de uma base aéro-naval americana em solo nacional, mais especificamente em Ponta Delgada. Sabendo-se que o Estado português havia criado uma figura, mal conhecida, para ombrear com o almirante americano, o
Alto-Comissário da República para os Açores, urgia entender a forma como todas as autoridades nacionais e estrangeiras (nomeadamente inglesas) se relacionaram com vista à defesa de objectivos comuns, agravados por sua vez pela passagem periódica de moléstias como foi o caso da conhecida gripe espanhola. Da investigação produziu-se conhecimento e a partir da presente pesquisa foi ainda possível detectar um vasto número de testemunhos da Grande Guerra. A opção de elaborar um inventário sobre imóveis utilizados, acaba por ser uma tentativa de produzir a memória desses dias, já quase centenários, e neste caso, completamente esquecidos, em detrimento do património móvel, relativamente bem conhecido.
O assunto não ficará, no entanto, aqui esgotado. Nem foi essa a intenção. Pelo contrário. Espera-se que, a partir deste estudo, seja possível destacar a importância dos Açores durante a Grande Guerra, derivando-se para novos aprofundamentos nas diferentes áreas abordadas. O objectivo deste trabalho será, pois, contribuir para a compreensão das repercussões da Grande Guerra nos Açores, nomeadamente ao nível socioeconómico, mas também quanto às dificuldades que as próprias instituições militares enfrentaram ao mais diverso nível. As questões ligadas ao património edificado relacionado com a Grande Guerra que ainda subsiste ou já desaparecido estiveram no âmbito das nossas preocupações, pelo que se apresenta um inventário do ainda existente ou do já desaparecido, organizado com base numa ficha de recolha de dados elaborada para o efeito e recorrendo a fontes escritas e iconográficas (…)»
Sendo o objectivo de Sérgio Rezendes colocar os Açores no mapa da participação portuguesa na Grande Guerra, certamente que este trabalho é um enorme contributo para alcançar esse desiderato.
ÍNDICE GERAL
Reconhecimento
Abreviaturas
I – INTRODUÇÃO
II – OS AÇORES NO INÍCIO DA GRANDE GUERRA
1. A situação da defesa militar nas ilhas
1.1. Os Açores, de excêntricos relativamente aos impérios ultramarinos
a fulcrais na defesa dos interesses dos beligerantes
1.2. Uma visão geral
1.3. A beligerância: dois casos em concreto
1.3.1. A defesa da ilha Terceira
1.3.2. A situação em S. Miguel
A acção dos três comandos militares nos Açores
2.1. Comando Militar de Angra do Heroísmo
2.2. Comando Militar de Ponta Delgada
2.3. Comando Militar da Horta
3. As questões de ordem pública e a problemática da “formiga branca”
III – PORTUGAL NA GRANDE GUERRA: A INTERVENÇÃO
NOS AÇORES
1. O aprisionamento das embarcações alemãs e a concentração de prisioneiros de guerra
1.1. O Depósito de Concentrados Alemães
2. Medidas de prevenção militar
2.1. O estado de sítio na ilha Terceira
2.2. A actividade submarina.
2.3. A aeronáutica.
2.4. A expansão da rede de comunicações
2.4.1. A telegrafia sem fios (TSF)
2.4.2. O cabo telegráfico submarino
2.4.3. Outros sistemas de comunicações
2.5. Da mobilização ao fim do conflito: a movimentação de tropas
3. Episódios de Guerra 1
IV – AS RELAÇÕES DE PODER
1. As relações entre as chefias militares e as autoridades civis: consensos e divergências
2. O sidonismo e a criação do cargo de Alto-Comissário da República nos Açores
3. As atribuições do Alto-comissário
4. O Comando da Defesa Marítima dos Açores
5. A Base Naval Norte-Americana: o papel do Almirante Dunn
5.1. O contexto militar
5.2. O enquadramento local
6. A censura
V – TEMPOS DE CRISE
1. Da peste à epidemia “que zomba da medicina”
1.1. A inexistência de um dispositivo sanitário eficaz:
a proliferação da peste
1.2. O surto de gripe espanhola
2. A crise das subsistências
2.1. A problemática do abastecimento de cereais
2.1.1. O caso do milho
2.1.2. O trigo
2.2. A complexa questão dos transportes
2.2.1. A escassez dos bens de primeira necessidade e a inflação
2.2.2. As dificuldades na exportação
3. Os interesses em jogo: em busca do “justo equilíbrio”
VI – IMÓVEIS, MEMÓRIAS E PATRIMÓNIO DA GRANDE GUERRA NOS AÇORES
VII – CONSIDERAÇÕES FINAIS
VIII – FONTES
Descarregue aqui o documento completo: A GRANDE GUERRA NOS AÇORES, MEMÓRIA HISTÓRICA E PATRIMÓNIO.
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