A BATERIA HARDING EM GIBRALTAR
Por Miguel Machado • 23 Fev , 2016 • Categoria: 14.TURISMO MILITAR, EM DESTAQUE PrintA história desta bateria começa em 1844 quando foi construída junto à Ponta Europa, em Gibraltar – o seu extremo Sul – e teve várias mutações ao longo dos anos, a última em 2013. Pretendemos mostrar, além da bateria em si, o modo como um espaço algo inóspito pode ser reformulado para se tornar uma atracção turística de relevo, contribuir para a divulgação da história e a preservação do meio ambiente, e o invulgar papel aqui desempenhado por alguns portugueses.
Faz parte de todos os guias, mapas e folhetos turísticos distribuídos a quem visita Gibraltar. O local tem a atracção natural de ser a “Ponta Europa”, extremo sul deste território britânico, com vistas desafogadas para o estreito, Espanha e Marrocos…se a meteorologia estiver favorável.
“Harding’s Battery” (*)
A actual bateria está inserida numa área de cultura e lazer, que inclui na realidade pouco mais do que a própria estrutura – reconstruída para o efeito em 2013 – que suporta uma peça de artilharia de costa, um 12.5 inch Rifle Muzzle Loading, ou seja, calibre 12,5 polegadas (317,5 mm) e de “carregar pela boca”. A arma foi instalada em 1878 mas em 1904 este tipo de carregamento foi considerado obsoleto e, não se sabe exactamente quando, foi retirada, aliás de modo muito singular: lançado ao mar ali mesmo à frente da bateria! Ainda hoje lá se encontra e o que vemos na bateria é um canhão idêntico retirado de outra bateria em Gibraltar e ali instalado, em cima de uma plataforma (charriot) construída para o efeito em 2013.
Antes desta arma que mergulhou no oceano a bateria dispunha de dois canhões de 24 “libras” (1844 a 1863) e depois dois de 32 “libras” até 1878 quando recebeu o 12,5 polegadas, uma arma que na época era considerada potente e adequada àquela localização privilegiada na defesa do Estreito de Gibraltar. Estas últimas armas, de 32 “libras”, tinham um calibre de 174,8 mm e foram ao que parece os maiores canhões usados em navios veleiros, sendo também, como se vê, usados em fortificações de costa. O seu alcance prático era inferior a 1.000 metros embora a granada pudesse atingir mais de 3.000.
O 12inch pesa 38 toneladas, o cano tem 5 metros de comprimento e disparava granadas com um peso de 362,9 a 367,0 quilogramas. O alcance máximo destas era de 5.900 metros.
No sub-solo – onde hoje podemos ver uma simples mas completa exposição de painéis históricos e relativos à protecção do ambiente em terra, mar e ar – estavam as munições armazenadas, as quais eram transportadas para junto da arma através de duas torres por aberturas no tecto da estrutura, sendo depois, sob carris, transportadas para o local de municiamento da arma (pela boca).
A última utilização militar de relvo do local ocorreu no decurso da 2.ª guerra Mundial quando ali, no local onde anteriormente tinha estado o 12Inch, e na área que vai do farol à mesquita (ver figura 3), se instalou uma bateria anti-aérea composta por peças Bofors 40mm, projectores e postos de observação.
Polo turístico, cultural, ambiental e de lazer
Em concreto, nesta ponta Sul de Gibraltar, pode-se visitar a bateria, o farol (por fora), o memorial ao general polaco Władysław Sikorski e há vários miradouros para se observar a paisagem. Há um posto de informação, café, restaurante e espaço para as crianças brincarem! Áreas para estacionamento de automóveis particulares e local para transportes colectivos ocasionais e transportes públicos regulares, completam a infraestrutura, moderna, que está muito próxima da “Mesquita do Guardião das Duas Mesquitas Sagradas, Rei Fahd bin Abdulaziz al-Saud”(oferta do Rei da Arábia Saudita, em 1997).
A bateria em si, hoje, é uma infraestrutura muito simples que foi reconstruída da original, tendo no subsolo um par de corredores ao longo dos quais estão expostos vários painéis com informações de carácter histórico sobre Gibraltar desde tempos imemoráveis até à 2.ª Guerra Mundial, com referências aos vários povos e países que ocuparam o “Rochedo”, sobre a bateria – muito pouco porque pouca informação na realidade se encontra disponível – e bastante informação sobre matérias de carácter ambiental quer no território quer nas regiões envolventes, com destaque para as migrações de aves. Assim para os amantes da história militar o que há ali para ver é o canhão de 12 inch e a estrutura da bateria (que não é original).
Na área podemos detectar algumas estruturas que tiveram uso militar, olhando para a montanha distinguem-se outras, parte ainda activas.
Como curiosidade refira-se que a actual guarnição militar, tem forças dos três ramos. O “Royal Gibraltar Regiment” do Exército Britânico, garante a manutenção de alguns locais e a sua operacionalidade, a maioria na área das comunicações. A “Royal Air Force Station Gibraltar”embora não tenha meios aéreos em permanência mantém-se em elevado estado de prontidão para apoio a operações que sejam desencadeadas e necessitem da infraestrutura aeronáutica local. O “Royal Navy’s Gibraltar Squadron” opera a partir da Base Naval, com lanchas rápidas e semi-rigidos, para apoio a operações navais na região.
Na área da bateria podemos encontrar ainda um ponto de observação da natureza, e um memorial em honra do General Władysław Sikorski , primeiro-ministro polaco no exílio e comandante em chefe das suas forças armadas, durante parte da 2.ª Guerra Mundial, quando o seu país foi ocupado pela Alemanha e pela União Soviética. Teve uma extraordinária carreira, em cargos militares e civis, com ações de combate em várias guerras e era um fiel aliado do Reino Unido. Morreu exactamente em Gibraltar num acidente aéreo no ano de 1943. A sua memória está relembrada na Catedral Católica de “St. Mary the Crowned” no centro da cidade e também aqui na Ponta Europa, local onde o seu avião se despenhou, neste memorial inaugurado em 4 de Julho de 2013, por ocasião do 70.º aniversário do acidente.
Assim para os amantes da história militar, tirando o canhão de 12 inch, a estrura da bateria e o memorial ao General Władysław Sikorski muito pouco há ali para ver. Apesar disso, conseguiu-se pelo ordenamento do espaço e a inclusão de elementos de informação muito simples, adicionar mais um ponto de visita a um território todo ele repleto de pontos turísticos.
Para um português que seja interessado nestas temáticas é impossível não pensar de imediato no extraordinário potencial que têm as baterias de artilharia de costa da Fonte da Telha, Outão e Parede. Quer na vertente militar quer na ambiental e de lazer, são locais que podem vir a ter um aproveitamento turístico que tarda.
Um dos aspectos que “joga contra nós”, é o quase completo afastamento das grandes empresas portuguesas de uma participação na recuperação do património histórico-militar. Haverá aqui um longo caminho a percorrer, quer em, termos de motivação das empresas quer…fiscais. Muito do que é feito nesta área no Reino Unido tem o patrocínio de empresas, grupos que assim mostram a sua responsabilidade para com as pessoas e o local onde desenvolvem a sua actividade, recolhendo algum benefício em termos fiscais.
Já agora, sabe o leitor a origem do Grupo Casais que patrocinou a remodelação desta “Harding’s Battery”? Portugal, pois é!
(*) O nome advém de Sir George Harding, engenheiro militar, que chegou a combater nas guerras napoleónicas, e em 1844 iniciou a construção da bateria. Faleceu em 1860 com o posto de tenente-general.
Sobre artilharia de costa em Gibraltar leia também no Operacional:
GIBRALTAR: O CANHÃO DAS 100 TONELADAS
Sobre artilharia de costa em Malta, leia no Operacional:
Sobre artilharia de costa em Espanha, leia no Operacional:
Sobre artilharia de costa em Portugal, leia no Operacional:
OS ÚLTIMOS DISPAROS DO “MURO DO ATLÂNTICO” PORTUGUÊS
FUTURO MUSEU MILITAR DE ARTILHARIA DE COSTA
FORTRESS STUDY GROUP : STUDY TOUR – PORTUGAL (30MAI/06JUN 2015)
Miguel Machado é
Email deste autor | Todos os posts de Miguel Machado